Protesto de CDA
Nosso plano de Questões Discursivas traz, a cada semana, 4 (quatro) novas questões de caráter dissertativo, sempre inéditas e exclusivas, para serem respondidas pelos nossos alunos e, na sequência, corrigidas e avaliadas pelos nossos professores, com a seleção das melhores respostas.
Em recente rodada, uma das questões veio assim formulada:
(EMAGIS) Discorra sobre o protesto de Certidões de Dívida Ativa - CDAs.
Confira, abaixo, os comentários preparados pelos nossos professores:
De acordo com a Lei nº 6.830/1980 (LEF), constitui dívida ativa da Fazenda Pública aquela definida como tributária ou não tributária na Lei nº 4.320/1964 (leia-se, notadamente, o seu art. 39, § 2º). Enfatiza a Lei de Execuções Fiscais, ainda, que se considera como dívida ativa qualquer valor cuja cobrança seja atribuída por lei à União, aos Estados, ao Distrito Federal, aos Municípios e às respectivas autarquias (arts. 1º e 2º, caput e § 1º).
A inscrição desses valores na dívida ativa é realizada pelo órgão competente para apurar a liquidez, certeza e exigibilidade do crédito (em regra, a atividade é confiada aos órgãos de representação judicial dos entes públicos, como a Procuradoria da Fazenda Nacional – art. 2º, § 4º, da LEF), o que consubstancia ato de controle administrativo de legalidade. A partir dessa inscrição, que nos termos do art. 204 do CTN goza de presunção relativa de certeza e liquidez, é extraída a correspondente certidão de dívida ativa, título executivo extrajudicial apto a aparelhar a execução forçada, conforme o disposto no art. 784, inciso IX, do CPC/2015 (art. 585, inciso VII, do CPC/1973) e do art. 6º, §§ 1º e 2º, da Lei nº 6.830/1980.
Com efeito, o art. 1º da Lei nº 9.492/1997 prevê que o “Protesto é o ato formal e solene pelo qual se prova a inadimplência e o descumprimento de obrigação originada em títulos e outros documentos de dívida” (art. 1º). Em que pese o protesto extrajudicial tenha sua origem associada ao direito cambiário e específica função comprobatória (quanto à caracterização da impontualidade e do inadimplemento do devedor), nota-se que a própria Lei nº 9.492/1997 tratou de ampliar o seu alcance a “outros documentos de dívida” (não restrito, pois, a títulos cambiais).
Para além disso, não se pode ignorar que o protesto assumiu destacado papel como instrumento eficaz na ‘cobrança de dívidas’. A propósito, o Superior Tribunal de Justiça teve a oportunidade de reconhecer que o “protesto é também meio lícito e legítimo de compelir o devedor a satisfazer a obrigação assumida ou, ao menos, buscar sua renegociação”, sendo pacífica a orientação jurisprudencial no sentido de que “só se admite a suspensão dos efeitos do protesto quando as circunstâncias de fato, efetivamente, autorizarem a proteção do devedor, com a presença da aparência do bom direito e, em regra, com a prestação de contracautela” (STJ, Quarta Turma, REsp 1.011.040/PB, Rel. Ministro Luis Felipe Salomão, DJe de 10/04/2012).
A viabilidade jurídica do protesto extrajudicial de certidões de dívida ativa suscitou muita controvérsia no seio da doutrina e na jurisprudência, em especial antes da edição da Lei nº 12.767/2012, que inseriu o parágrafo único ao art. 1º da Lei nº 9.492/1997, com a seguinte redação, in verbis: “Art. 1º [...] Parágrafo único. Incluem-se entre os títulos sujeitos a protesto as certidões de dívida ativa da União, dos Estados, do Distrito Federal, dos Municípios e das respectivas autarquias e fundações públicas.”
Na realidade, anteriormente ao advento da referida Lei nº 12.767/2012, que alterou a Lei nº 9.492/1997, o Superior Tribunal de Justiça vinha sinalizando a desnecessidade e ausência de interesse da Fazenda Pública em promover o protesto da certidão de dívida ativa. De todo modo, embora desnecessário esse proceder (protesto), a Corte tendeu a afastar pretensões indenizatórias por supostos danos morais decorrentes do protesto de CDAs. Colacionamos alguns arestos que bem ilustram essa compreensão:
“TRIBUTÁRIO. PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO DE INSTRUMENTO. CERTIDÃO DA DÍVIDA ATIVA - CDA. PROTESTO. DESNECESSIDADE. AGRAVO NÃO PROVIDO. 1. A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça tem afirmado a ausência de interesse em levar a protesto a Certidão da Dívida Ativa, título que já goza de presunção de certeza e liquidez e confere publicidade à inscrição do débito na dívida ativa. 2. Agravo regimental não provido.” (STJ, Primeira Turma, Ag 1.316.190-AgRg/PR, Rel. Ministro Arnaldo Esteves Lima, DJe de 25/05/2011)
“TRIBUTÁRIO E PROCESSUAL - CERTIDÃO DE DÍVIDA ATIVA - PROTESTO PRÉVIO - DESNECESSIDADE - PRESUNÇÃO DE CERTEZA E LIQUIDEZ - AUSÊNCIA DE DANO MORAL - DEFICIÊNCIA DE FUNDAMENTAÇÃO - SÚMULA 284/STF. 1. Não demonstrada objetiva, clara e especificamente pelo recorrente a violação a dispositivo de lei federal, não há como se conhecer do recurso especial interposto pela alínea "a" do permissivo constitucional, a teor do disposto na Súmula 284/STF. 2. A Certidão de Dívida Ativa além da presunção de certeza e liquidez é também ato que torna público o conteúdo do título, não havendo interesse de ser protestado, medida cujo efeito é a só publicidade. 3. É desnecessário e inócuo o protesto prévio da Certidão de Dívida Ativa. Eventual protesto não gera dano moral in re ipsa. [...]” (STJ, Segunda Turma, REsp 1.093.601/RJ, Rel. Ministra Eliana Calmon, DJe de 15/12/2008)
Diante do novo panorama jurídico trazido pela legislação de 2012 (que introduziu o parágrafo único ao art. 1º da Lei nº 9.492/1997, adrede indicado), a jurisprudência do Superior Tribunal passou a admitir o protesto extrajudicial da certidão de dívida ativa. A esse respeito, veja-se:
“PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO. PROTESTO DE CDA. LEI 9.492/1997. INTERPRETAÇÃO CONTEXTUAL COM A DINÂMICA MODERNA DAS RELAÇÕES SOCIAIS E O ‘II PACTO REPUBLICANO DE ESTADO POR UM SISTEMA DE JUSTIÇA MAIS ACESSÍVEL, ÁGIL E EFETIVO’. RECURSO ESPECIAL PROVIDO. 1. Trata-se de Recurso Especial que discute, à luz do art. 1º da Lei 9.492/1997, a possibilidade de protesto da Certidão de Dívida Ativa (CDA), título executivo extrajudicial (art. 586, VIII, do CPC) que aparelha a Execução. 2. Merece destaque a publicação da Lei 12.767/2012, que promoveu a inclusão do parágrafo único no art. 1º da Lei 9.492/1997, para expressamente consignar que estão incluídas ‘entre os títulos sujeitos a protesto as certidões de dívida ativa da União, dos Estados, do Distrito Federal, dos Municípios e das respectivas autarquias e fundações públicas’. 3. No regime instituído pelo art. 1º da Lei 9.492/1997, o protesto, instituto bifronte que representa, de um lado, instrumento para constituir o devedor em mora e provar a inadimplência, e, de outro, modalidade alternativa para cobrança de dívida, foi ampliado, desvinculando-se dos títulos estritamente cambiariformes para abranger todos e quaisquer ‘títulos ou documentos de dívida’. Ao contrário do afirmado pelo Tribunal de origem, portanto, o atual regime jurídico do protesto não é vinculado exclusivamente aos títulos cambiais. 4. A Lei 9.492/1997 deve ser interpretada em conjunto com o contexto histórico e social. De acordo com o ‘II Pacto Republicano de Estado por um sistema de Justiça mais acessível, ágil e efetivo’, definiu-se como meta específica para dar agilidade e efetividade à prestação jurisdicional a ‘revisão da legislação referente à cobrança da dívida ativa da Fazenda Pública, com vistas à racionalização dos procedimentos em âmbito judicial e administrativo’. 5. Nesse sentido, o CNJ considerou que estão conformes com o princípio da legalidade normas expedidas pelas Corregedorias de Justiça dos Estados do Rio de Janeiro e de Goiás que, respectivamente, orientam seus órgãos a providenciar e admitir o protesto de CDA e de sentenças condenatórias transitadas em julgado, relacionadas às obrigações alimentares. 6. A interpretação contextualizada da Lei 9.492/1997 representa medida que corrobora a tendência moderna de intersecção dos regimes jurídicos próprios do Direito Público e Privado. A todo instante vem crescendo a publicização do Direito Privado (iniciada, exemplificativamente, com a limitação do direito de propriedade, outrora valor absoluto, ao cumprimento de sua função social) e, por outro lado, a privatização do Direito Público (por exemplo, com a incorporação - naturalmente adaptada às peculiaridades existentes - de conceitos e institutos jurídicos e extrajurídicos aplicados outrora apenas aos sujeitos de Direito Privado, como, e.g., a utilização de sistemas de gerenciamento e controle de eficiência na prestação de serviços). 7. Recurso Especial provido.” (STJ, Segunda Turma, REsp 1.689.798/SP, Rel. Ministro Herman Benjamin, DJe de 19/12/2017)
Referida disposição da Lei nº 9.492/1997 (parágrafo único do art. 1º, inserido pela Lei nº 12.767/2012) teve a sua constitucionalidade questionada perante o Supremo Tribunal Federal. No âmbito da Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 5.135/DF, a Confederação Nacional da Indústria arguiu, em síntese, que o preceito normativo padeceria de vício formal (tendo em vista ter sido incluído por emenda em medida provisória que tratava de matéria diversa) e, ainda, seria materialmente inconstitucional (traduzindo “sanção política” rechaçada pela jurisprudência da Corte, na esteira do que enunciam as antigas Súmulas nº 70, nº 323 e nº 547 do STF).
Todavia, a posição majoritária do Supremo Tribunal assentou a improcedência do pedido formulado na ação direta, referendando a constitucionalidade do dispositivo que expressamente autorizou o protesto das certidões de dívida ativa da União, dos Estados, do Distrito Federal, dos Municípios e das respectivas autarquias e fundações públicas. Fixou-se, assim, a seguinte tese jurídica: “O protesto das Certidões de Dívida Ativa constitui mecanismo constitucional e legítimo, por não restringir de forma desproporcional quaisquer direitos fundamentais garantidos aos contribuintes e, assim, não constituir sanção política.”
Confira-se a respectiva ementa:
“Direito tributário. Ação direta de inconstitucionalidade. Lei nº 9.492/1997, art. 1º, parágrafo único. Inclusão das certidões de dívida ativa no rol de títulos sujeitos a protesto. Constitucionalidade. 1. O parágrafo único do art. 1º da Lei nº 9.492/1997, inserido pela Lei nº 12.767/2012, que inclui as Certidões de Dívida Ativa - CDA no rol dos títulos sujeitos a protesto, é compatível com a Constituição Federal, tanto do ponto de vista formal quanto material. 2. Em que pese o dispositivo impugnado ter sido inserido por emenda em medida provisória com a qual não guarda pertinência temática, não há inconstitucionalidade formal. É que, muito embora o STF tenha decidido, na ADI 5.127 (Rel. Min. Rosa Weber, Rel. p/ acórdão Min. Edson Fachin, j. 15.10.2015), que a prática, consolidada no Congresso Nacional, de introduzir emendas sobre matérias estranhas às medidas provisórias constitui costume contrário à Constituição, a Corte atribuiu eficácia ex nunc à decisão. Ficaram, assim, preservadas, até a data daquele julgamento, as leis oriundas de projetos de conversão de medidas provisórias com semelhante vício, já aprovadas ou em tramitação no Congresso Nacional, incluindo o dispositivo questionado nesta ADI. 3. Tampouco há inconstitucionalidade material na inclusão das CDAs no rol dos títulos sujeitos a protesto. Somente pode ser considerada “sanção política” vedada pelo STF (cf. Súmulas nº 70, 323 e 547) a medida coercitiva do recolhimento do crédito tributário que restrinja direitos fundamentais dos contribuintes devedores de forma desproporcional e irrazoável, o que não ocorre no caso do protesto de CDAs. 3.1. Em primeiro lugar, não há efetiva restrição a direitos fundamentais dos contribuintes. De um lado, inexiste afronta ao devido processo legal, uma vez que (i) o fato de a execução fiscal ser o instrumento típico para a cobrança judicial da Dívida Ativa não exclui mecanismos extrajudiciais, como o protesto de CDA, e (ii) o protesto não impede o devedor de acessar o Poder Judiciário para discutir a validade do crédito. De outro lado, a publicidade que é conferida ao débito tributário pelo protesto não representa embaraço à livre iniciativa e à liberdade profissional, pois não compromete diretamente a organização e a condução das atividades societárias (diferentemente das hipóteses de interdição de estabelecimento, apreensão de mercadorias, etc). Eventual restrição à linha de crédito comercial da empresa seria, quando muito, uma decorrência indireta do instrumento, que, porém, não pode ser imputada ao Fisco, mas aos próprios atores do mercado creditício. 3.2. Em segundo lugar, o dispositivo legal impugnado não viola o princípio da proporcionalidade. A medida é adequada, pois confere maior publicidade ao descumprimento das obrigações tributárias e serve como importante mecanismo extrajudicial de cobrança, que estimula a adimplência, incrementa a arrecadação e promove a justiça fiscal. A medida é necessária, pois permite alcançar os fins pretendidos de modo menos gravoso para o contribuinte (já que não envolve penhora, custas, honorários, etc.) e mais eficiente para a arrecadação tributária em relação ao executivo fiscal (que apresenta alto custo, reduzido índice de recuperação dos créditos públicos e contribui para o congestionamento do Poder Judiciário). A medida é proporcional em sentido estrito, uma vez que os eventuais custos do protesto de CDA (limitações creditícias) são compensados largamente pelos seus benefícios, a saber: (i) a maior eficiência e economicidade na recuperação dos créditos tributários, (ii) a garantia da livre concorrência, evitando-se que agentes possam extrair vantagens competitivas indevidas da sonegação de tributos, e (iii) o alívio da sobrecarga de processos do Judiciário, em prol da razoável duração do processo. 4. Nada obstante considere o protesto das certidões de dívida constitucional em abstrato, a Administração Tributária deverá se cercar de algumas cautelas para evitar desvios e abusos no manejo do instrumento. Primeiro, para garantir o respeito aos princípios da impessoalidade e da isonomia, é recomendável a edição de ato infralegal que estabeleça parâmetros claros, objetivos e compatíveis com a Constituição para identificar os créditos que serão protestados. Segundo, deverá promover a revisão de eventuais atos de protesto que, à luz do caso concreto, gerem situações de inconstitucionalidade (e.g., protesto de créditos cuja invalidade tenha sido assentada em julgados de Cortes Superiores por meio das sistemáticas da repercussão geral e de recursos repetitivos) ou de ilegalidade (e.g., créditos prescritos, decaídos, em excesso, cobrados em duplicidade). 5. Ação direta de inconstitucionalidade julgada improcedente. Fixação da seguinte tese: ‘O protesto das Certidões de Dívida Ativa constitui mecanismo constitucional e legítimo, por não restringir de forma desproporcional quaisquer direitos fundamentais garantidos aos contribuintes e, assim, não constituir sanção política’.” (STF, Tribunal Pleno, ADI 5.135/DF, Rel. Ministro Roberto Barroso, DJe-022 publicado em 07/02/2018)
Malgrado a decisão proferida pela Suprema Corte em sede de controle normativo abstrato, pertinente assinalar que o Superior Tribunal de Justiça afetou a questão controvertida – legalidade do protesto da CDA, no regime da Lei nº 9.492/1997 – à sistemática dos recursos repetitivos (art. 1.036 e seguintes do CPC). Apreciado o leading case (Recurso Especial nº 1.686.659/SP), a Seção de Direito Público firmou esta tese: “A Fazenda pública possui interesse e pode efetivar o protesto da CDA, documento de dívida, na forma do art. 1º, parágrafo único, da Lei 9.492/1997, com a redação dada pela Lei 12.767/2012” (Tema nº 777).
Destacamos a extensa, mas didática ementa do recurso paradigma:
“PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO. VIOLAÇÃO DOS ARTS. 948 E 949 DO CPC/2015. NÃO CONFIGURAÇÃO. CERTIDÃO DA DÍVIDA ATIVA. PROTESTO. ART. 1º, PARÁGRAFO ÚNICO, DA LEI 9.492/1997, COM A REDAÇÃO DA LEI 12.767/2012. LEGALIDADE. 1. Trata-se de Recurso Especial interposto contra acórdão que determinou o cancelamento do protesto da CDA, por considerar ilegal tal medida. TESE CONTROVERTIDA ADMITIDA 2. Sob o rito dos arts. 1036 e seguintes do CPC, admitiu-se a seguinte tese controvertida: ‘legalidade do protesto da CDA, no regime da Lei 9.492/1997’. NECESSIDADE DE SUBMISSÃO DO PRESENTE FEITO AO RITO DOS RECURSOS REPETITIVOS, NÃO OBSTANTE A DECISÃO DO STF QUE RECONHECEU A CONSTITUCIONALIDADE DO PROTESTO DA CDA 3. O acórdão hostilizado, oriundo da 9ª Câmara de Direito Público do TJ/SP, foi proferido em 22.8.2016 e aborda o protesto da CDA efetivado na vigência da Lei 12.767/2012. Nele está consignado que a Corte local, naquela época, concluíra pela constitucionalidade do art. 1º, parágrafo único, da Lei 9.492/1976. 4. Registra-se que o tema da compatibilidade do art. 1º, parágrafo único, da Lei 9.492/1997 (redação dada pela Lei 12.767/2012) com a Constituição Federal não é, nem poderia, ser objeto do Recurso Especial. De todo modo, é importante esclarecer que, a esse respeito, o e. STF concluiu o julgamento da ADI 5.135/DF, confirmando a constitucionalidade da norma, fixando a tese de que ‘O protesto das Certidões de Dívida Ativa constitui mecanismo constitucional e legítimo, por não restringir de forma desproporcional quaisquer direitos fundamentais garantidos aos contribuintes e, assim, não constituir sanção política’ (ADI 5.135/DF, Relator Ministro Roberto Barroso, Tribunal Pleno, julgado em 9.11.2016, DJe 7.2.2018). 5. Não obstante reconhecer como constitucional o protesto da CDA, o órgão fracionário do Tribunal a quo afastou a aplicação do dispositivo de lei federal que o prevê por reputá-lo ilegal, na medida em que, a seu ver, a Certidão de Dívida Ativa goza do atributo da exequibilidade, dispensando a realização do protesto. Segundo concluiu o órgão colegiado, o meio próprio para a cobrança de tributos é a Execução Fiscal disciplinada pela Lei 6.830/1980. 6. A análise feita no acórdão recorrido, portanto, embora tenha reconhecido a constitucionalidade do protesto da CDA, examinou o tema sob perspectiva exclusivamente legal, mediante exegese sistemática da compatibilidade do art. 1º, parágrafo único, da Lei 9.492/1997 (com a redação da Lei 12.767/2012) com outros dispositivos de lei federal (notadamente o CPC/1973 e a Lei 6.830/1980), o que enseja o conhecimento do recurso. RESOLUÇÃO DA CONTROVÉRSIA. 1ª TESE: VIOLAÇÃO DOS ARTS. 948 E 949 DO CPC. REJEIÇÃO 7. No que se refere aos dispositivos do novo CPC (arts. 948 e 949), deve ser rejeitada a pretensão recursal. Com efeito, tais normas versam sobre a arguição, em controle difuso, de inconstitucionalidade de lei. 8. Conforme dito acima, o incidente não foi provocado porque o Órgão Especial do TJ/SP já se manifestara, anteriormente, a respeito do tema. Acrescente-se que a decisão adotada foi pela constitucionalidade da norma e que a eficácia vinculante do decisum, em relação aos órgãos fracionários integrantes daquela Corte, evidentemente, se restringe a questão constitucional. 9. In casu, o órgão fracionário não julgou a causa contrariamente à decisão do Órgão Especial do TJ/SP, apenas consignou que o reconhecimento da constitucionalidade da norma não obsta a análise de sua aplicação, sob o enfoque de sua suposta incompatibilidade com outros dispositivos de lei federal. RESOLUÇÃO DA CONTROVÉRSIA. 2ª TESE: POSSIBILIDADE DE PROTESTO DA CDA. ACOLHIMENTO 10. Passando-se à análise do protesto da CDA, sob o enfoque da compatibilidade do art. 1º, parágrafo único, da Lei 9.492/1997 (redação dada pela Lei 12.767/2012) com a legislação federal que disciplina o específico processo executivo dos créditos da Fazenda Pública (Lei 6.830/1980), a questão não é nova, tendo sido analisada pelo e. STJ no REsp 1.126.515/PR, cujos fundamentos se mantêm no atual quadro normativo positivo e seguem abaixo reproduzidos. 11. A norma acima, já em sua redação original (ou seja, aquela contida na data de entrada em vigor da Lei 9.492/1997), rompeu com antiga tradição existente no ordenamento jurídico, consistente em atrelar o protesto exclusivamente aos títulos de natureza cambial (cheques, duplicatas etc.). 12. O uso dos termos ‘títulos’ e ‘outros documentos de dívida’ possui, claramente, concepção muito mais ampla que a relacionada apenas aos de natureza cambiária. Como se sabe, até atos judiciais (sentenças transitadas em julgado em Ações de Alimentos ou em processos que tramitaram na Justiça do Trabalho) podem ser levados a protesto, embora evidentemente nada tenham de cambial. Nesse sentido: REsp 750.805/RS, Rel. Ministro Humberto Gomes de Barros, Terceira Turma, DJe 16/6/2009, e AP 01676-2004-077-03-00-1, TRT/MG, Relator: Juiz Convocado Jesse Claudio Franco de Alencar, p. 4.3.2010. 13. Não bastasse isso, o protesto, além de representar instrumento para constituir mora e/ou comprovar a inadimplência do devedor, é meio alternativo para o cumprimento da obrigação. 14. Com efeito, o art. 19 da Lei 9.492/1997 expressamente dispõe a respeito do pagamento extrajudicial dos títulos ou documentos de dívida (isto é, estranhos aos títulos meramente cambiais) levados a protesto. 15. Assim, conquanto o Código de Processo Civil (art. 585, VII, do CPC/1973, art. 784, IX, no novo CPC) e a Lei 6.830/1980 atribuam exequibilidade à CDA, qualificando-a como título executivo extrajudicial apto a viabilizar o imediato ajuizamento da Execução Fiscal (a inadimplência é presumida iuris tantum), a Administração Pública, no âmbito federal, estadual e municipal, vem reiterando sua intenção de adotar o protesto como meio alternativo para buscar, extrajudicialmente, a satisfação de sua pretensão creditória. 16. Tal medida ganha maior importância quando se lembra, principalmente, que o Poder Judiciário lhe fecha as portas para o exercício do direito de ação, por exemplo, ao extinguir, por alegada falta de interesse processual, demandas executivas de valor reputado baixo (o Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo é exemplo significativo disso, como faz prova o Incidente de Assunção de Competência discutido nos autos do RMS 53720/SP e do RMS 54712/SP, os quais discorrem precisamente sobre o cabimento do Mandado de Segurança contra ato judicial - isto é, a sentença extintiva de Execução Fiscal, proferida em escala industrial naquela Corte de Justiça, que habitualmente equipara o baixo valor da causa à própria falta de interesse processual). 17. Sob essa ótica, não se considera legítima nenhuma manifestação do Poder Judiciário tendente a suprimir a adoção de meio extrajudicial para cobrança dos créditos públicos (como se dá com o protesto da CDA, no contexto acima definido). Acrescente-se, no ponto, que a circunstância de a Lei 6.830/1980 disciplinar a cobrança judicial da dívida ativa dos entes públicos não deve ser interpretada como uma espécie de ‘princípio da inafastabilidade da jurisdição às avessas’, ou seja, engessar a atividade de recuperação dos créditos públicos, vedando aos entes públicos o recurso a instrumentos alternativos (evidentemente, respeitada a inafastável observância ao princípio da legalidade) e lhes impondo apenas a via judicial - a qual, como se sabe, ainda luta para tornar-se socialmente reconhecida como instrumento célere e eficaz. 18. A verificação quanto à utilidade ou necessidade do protesto da CDA, como política pública para a recuperação extrajudicial de crédito, cabe com exclusividade à Administração Pública. Ao Poder Judiciário só é reservada a análise da sua conformação (ou seja, da via eleita) ao ordenamento jurídico. Dito de outro modo, compete ao Estado decidir se quer protestar a CDA; ao Judiciário caberá examinar a possibilidade de tal pretensão, relativamente aos aspectos constitucionais e legais. 19. Ao dizer ser imprescindível o protesto da CDA, sob o fundamento de que a lei prevê a utilização da Execução Fiscal, o Poder Judiciário rompe não somente com o princípio da autonomia dos poderes (art. 2º da CF/1988), como também com o princípio da imparcialidade, dado que, reitero, a ele institucionalmente não impende qualificar as políticas públicas como necessárias ou desnecessárias. 20. Reitera-se, assim, que o protesto pode ser empregado como meio alternativo, extrajudicial, para a recuperação do crédito. O argumento de que há lei própria que disciplina a cobrança judicial da dívida ativa (Lei 6.830/1980), conforme anteriormente mencionado, é um sofisma, pois tal não implica juízo no sentido de que os entes públicos não possam, mediante lei, adotar mecanismos de cobrança extrajudicial. Dito de outro modo, a circunstância de o protesto não constituir providência necessária ou conveniente para o ajuizamento da Execução Fiscal não acarreta vedação à sua utilização como instrumento de cobrança extrajudicial. 21. É indefensável, portanto, o argumento de que a disciplina legal da cobrança judicial da dívida ativa impede, peremptoriamente, a Administração Pública de instituir ou utilizar, sempre com observância do princípio da legalidade, modalidade extrajudicial para cobrar, com vistas à eficiência, seus créditos. 22. No que diz respeito à participação do devedor na formação do título executivo extrajudicial, observa-se que não se confunde o poder unilateral de o Fisco constituir o crédito tributário com a situação posterior da inscrição em dívida ativa. Esta última não é feita ‘de surpresa’, ou de modo unilateral, sem o conhecimento do sujeito passivo. 23. A inscrição em dívida ativa ou decorre de um lançamento de ofício, no qual são assegurados o contraditório e a ampla defesa (impugnação e recursos administrativos, que serão ou não apresentados por manifestação volitiva do autuado), ou de confissão de dívida pelo devedor. Vale o mesmo raciocínio para os créditos fiscais de natureza não tributária. 24. Em qualquer desses casos, o sujeito passivo terá concorrido para a consolidação do crédito tributário. Neste ponto, acrescenta-se que, ao menos nas hipóteses (hoje majoritárias) em que a constituição do crédito tributário se dá mediante o denominado autolançamento (entrega de DCTF, GIA, etc., isto é, documentos de confissão de dívida), a atitude do contribuinte de apurar e confessar o montante do débito é equiparável, em tudo e por tudo, ao do emitente de cheque, nota promissória ou letra de câmbio. Como não admitir, nesse contexto, o respectivo protesto? 25. Haveria razoabilidade no questionamento do protesto se este fosse autorizado para o simples ‘auto de lançamento’, porque este sim pode ser feito unilateralmente (isto é, sem a participação prévia da parte devedora) pela autoridade administrativa. Mas não é disso que tratam os autos, e sim da certidão de dívida ativa, que somente é extraída, como mencionado, depois de exaurida a instância administrativa (lançamento de ofício) ou de certificado que o contribuinte não pagou a dívida por ele mesmo confessada (DCTF, GIA, etc.). 26. Deve ser levada em conta, ainda, a publicação, no DOU de 26.5.2009, do ‘II Pacto Republicano de Estado por um sistema de Justiça mais acessível, ágil e efetivo’. Trata-se de instrumento voltado a fortalecer a proteção aos direitos humanos, a efetividade da prestação jurisdicional, o acesso universal à Justiça e também o aperfeiçoamento do Estado Democrático de Direito e das instituições do Sistema de Justiça. CONSIDERAÇÕES ADICIONAIS 27. É importante demonstrar que o legislador vem continuamente instituindo meios alternativos para viabilizar o cumprimento das obrigações de natureza pecuniária fora do âmbito judicial, ora pressupondo relação de contemporaneidade com a tramitação de demandas, ora concebendo-os como medidas antecedentes da utilização do Poder Judiciário. 28. Cite-se, por exemplo, a Lei 11.382/2006, que incluiu o art. 615-A no CPC/1973, autorizando que a parte demandante obtenha certidão comprobatória do ajuizamento da execução, ‘para fins de averbação no registro de imóveis, registro de veículos ou registro de outros bens sujeitos à penhora ou arresto’ - o referido dispositivo foi reproduzido no art. 828 do CPC/2015. 29. Registre-se que o novo CPC, em seu art. 517, expressamente passou a prever que qualquer decisão judicial transitada em julgado ‘poderá ser levada a protesto, nos termos da lei, depois de transcorrido o prazo para pagamento voluntário previsto no art. 523’. Não se pode, a partir daí, conceber a formação de jurisprudência que entenda desnecessária a realização do protesto diante da possibilidade de instauração da fase de cumprimento de sentença. 30. Por outro lado, o art. 25 da Lei 13.606/2018 acrescentou o art. 25-B à Lei 10.522/2002, instituindo rito administrativo para a cobrança dos créditos fiscais, segundo o qual, em caso de não pagamento da quantia devida, no prazo de cinco dias, contados da notificação da inscrição em dívida ativa, faculta-se à Fazenda Nacional (i) o registro dessa pendência nos órgãos que operam bancos de dados e cadastros relativos a consumidores e aos serviços de proteção de créditos e congêneres, e b) a averbação, inclusive por meio eletrônico, da CDA nos órgãos de registro de bens e direitos sujeitos a arresto ou penhora, tornando-os indisponíveis. 31. Nesse panorama contemporâneo, portanto, mostra-se absolutamente coerente a superação do entendimento que restringe o protesto aos títulos cambiários. TESE REPETITIVA 32. Para fins dos arts. 1.036 e seguintes do CPC, fica assim resolvida a controvérsia repetitiva: ‘A Fazenda Pública possui interesse e pode efetivar o protesto da CDA, documento de dívida, na forma do art. 1º, parágrafo único, da Lei 9.492/1997, com a redação dada pela Lei 12.767/2012’. RESOLUÇÃO DO CASO CONCRETO 33. Na hipótese dos autos, a CDA foi levada a protesto em 19.6.2015 (fl. 39, e -STJ), com vencimento em 22.7.2015, o que significa dizer que o ato foi praticado na vigência do art. 1º, parágrafo único, da Lei 9.492/1997, de modo que não há ilegalidade a ser decretada. 34. Recurso Especial parcialmente provido.” (STJ, Primeira Seção, REsp nº 1.686.659/SP, Rel. Ministro Herman Benjamin, DJe de 11/03/2019)
Podemos concluir, assim, que se encontra resolvida a polêmica jurídica, sendo legítimo o protesto de certidões de dívida ativa (CDAs).
Emagis: líder em aprovação nos mais exigentes concursos públicos!