Igualdade racial, combate ao racismo e tratados de direitos humanos
Olá!
Propomos, hoje, a resolução de uma das questões do nosso curso intensivo para a 1ª fase do concurso para promotor de justiça do MP/SP (2019), assim redigida:
(EMAGIS) A respeito da igualdade racial, combate ao racismo e os tratados de direitos humanos referentes ao tema, assinale a única alternativa INCORRETA:
(A) A Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação Racial, assinada pelo Brasil em 1966, já previa a possibilidade de adoção de ações afirmativas.
(B) A Convenção Interamericana contra o Racismo, Discriminação Racial e Formas Conexas de Intolerância prevê, além da discriminação racial direta, também a discriminação racial indireta e a discriminação múltipla ou agravada. Diferencia, contudo, todas elas do racismo.
(C) O Comitê para a Eliminação da Discriminação Racial, criado no âmbito da Convenção para a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação Racial, estabelece o mecanismo de relatórios, a serem apresentados a cada dois anos. Entretanto, não se admitem os chamados relatórios sombra (shadow report).
(D) Conforme entendimento mais recente do Supremo Tribunal Federal, não fere a Constituição o sacrifício ritual de animais em cultos de religiões de matriz africana.
(E) De acordo com o Programa de Combate ao Racismo Institucional, no Brasil, a discriminação sistêmica foi detectada no chamado “racismo institucional” que consiste em um conjunto de normas, práticas e comportamentos discriminatórios cotidianos adotados por organizações públicas ou privadas que, movidos por estereótipos e preconceitos, impõe a membros de grupos raciais ou étnicos discriminados situação de desvantagem no acesso a benefícios gerados pelo Estado e por demais instituições e organizações.
A proteção da igualdade racial no Brasil conta com diversos instrumentos de concretização. Nesse sentido, podemos citar a Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação Racial, com seu respectivo comitê, como principal tratado internacional de proteção.
A Convenção interamericana também tem sua relevância, contudo, pelo ainda reduzido número de adesões, tem menor incidência em concursos. Portanto, vamos à análise das alternativas.
(A) A Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação Racial é uma das mais antigas convenções de direitos humanos assinada pelo Brasil, logo em 1966, e previa, entre diversos outros dispositivos de proteção, as tão faladas ações afirmativas, na forma de excepcionalização do conceito de discriminação racial, no §4 do art. 1 da Convenção. Por esse motivo, correta a alternativa.
“Artigo 1
[...]
§4. Não serão consideradas discriminação racial as medidas especiais tomadas com o único objetivo de assegurar o progresso adequado de certos grupos raciais ou étnicos ou de indivíduos que necessitem da proteção que possa ser necessária para proporcionar a tais grupos ou indivíduos igual gozo ou exercício de direitos humanos e liberdades fundamentais, contanto que tais medidas não conduzam, em conseqüência, à manutenção de direitos separados para diferentes grupos raciais e não prossigam após terem sido alcançados os seus objetivos.”
(B) A Convenção Interamericana já é bem mais completa e tecnicamente mais elaborada. Traz conceitos modernos relacionados à discriminação, seja ela direta, indireta ou múltipla. Tudo isso consta do seu artigo 1.
Quanto à diferenciação entre discriminação racial e racismo, também está presenta na Convenção. Em apertada síntese, o racismo refere-se a um conceito teórico, de exclusão com base na raça, ao passo que a discriminação corresponde à aplicação prática do racismo.
“Artigo 1
Para os efeitos desta Convenção:
1. Discriminação racial é qualquer distinção, exclusão, restrição ou preferência, em qualquer área da vida pública ou privada, cujo propósito ou efeito seja anular ou restringir o reconhecimento, gozo ou exercício, em condições de igualdade, de um ou mais direitos humanos e liberdades fundamentais consagrados nos instrumentos internacionais aplicáveis aos Estados Partes.
A discriminação racial pode basear-se em raça, cor, ascendência ou origem nacional ou étnica.
2. Discriminação racial indireta é aquela que ocorre, em qualquer esfera da vida pública ou privada, quando um dispositivo, prática ou critério aparentemente neutro tem a capacidade de acarretar uma desvantagem particular para pessoas pertencentes a um grupo específico, com base nas razões estabelecidas no Artigo 1.1, ou as coloca em desvantagem, a menos que esse dispositivo, prática ou critério tenha um objetivo ou justificativa razoável e legítima à luz do Direito Internacional dos Direitos Humanos.
3. Discriminação múltipla ou agravada é qualquer preferência, distinção, exclusão ou restrição baseada, de modo concomitante, em dois ou mais critérios dispostos no Artigo 1.1, ou outros reconhecidos em instrumentos internacionais, cujo objetivo ou resultado seja anular ou restringir o reconhecimento, gozo ou exercício, em condições de igualdade, de um ou mais direitos humanos e liberdades fundamentais consagrados nos instrumentos internacionais aplicáveis aos Estados Partes, em qualquer área da vida pública ou privada.
4. Racismo consiste em qualquer teoria, doutrina, ideologia ou conjunto de ideias que enunciam um vínculo causal entre as características fenotípicas ou genotípicas de indivíduos ou grupos e seus traços intelectuais, culturais e de personalidade, inclusive o falso conceito de superioridade racial.”
(C) Esse é um tema bastante importante, e que volta e meia é cobrado em concurso. Aqui, o conhecimento que se exigiu foi do Comitê para a Eliminação da Discriminação Racial, presente na sua referida Convenção. Nada a reparar quanto à possibilidade dos mecanismos de relatórios. Contudo, não se vedam os chamados relatórios sombra, também conhecidos como shadow reports. Esses relatórios, enviados por ONG’s, independem de anuência ou prévio conhecimento por parte dos Estados partes, e revelam-se importante mecanismo de proteção dos direitos humanos. Por esse motivo, essa é a única alternativa incorreta. A esse respeito, fique com os ensinamentos de André de Carvalho Ramos:
“A Convenção estabelece o mecanismo de relatórios, que serão examinados pelo Comitê e devem ser apresentados no prazo de um ano da entrada em vigor da Convenção e, a partir de então, a cada dois anos e sempre que o Comitê solicitar. Os relatórios devem conter todas as medidas legislativas, judiciárias, administrativas ou outras aptas a tornarem efetivas as disposições da Convenção (artigo IX).
No que tange à análise dos relatórios dos Estados, o Comitê ainda recebe informes de organizações não governamentais que apresentam o chamado “relatório sombra” (shadow report), que busca revelar criticamente a real situação dos direitos protegidos naquele país. Após, o Comitê aprecia o relatório oficial e as demais informações obtidas, emitindo relatório final contendo recomendações, sem força vinculante ao Estado.” (RAMOS, 2017)
(D) Esse tema adquiriu nova relevância em razão da recente conclusão do julgamento pelo STF. Em linhas gerais, entendeu o Pretório Excelso que a Lei estadual 12.131/2004 (RS), que introduziu o parágrafo único no art. 2º da Lei estadual 11.915/2003 (RS), não ofende a Constituição. Vamos, inicialmente, ver o que dizem os dispositivos citados:
“Art. 2º - É vedado:
I - ofender ou agredir fisicamente os animais, sujeitando-os a qualquer tipo de experiência capaz de causar sofrimento ou dano, bem como as que criem condições inaceitáveis de existência;
II - manter animais em local completamente desprovido de asseio ou que lhes impeçam a movimentação, o descanso ou os privem de ar e luminosidade;
III - obrigar animais a trabalhos exorbitantes ou que ultrapassem sua força;
IV - não dar morte rápida e indolor a todo animal cujo extermínio seja necessário para consumo;
V - exercer a venda ambulante de animais para menores desacompanhados por responsável legal;
VI - enclausurar animais com outros que os molestem ou aterrorizem;
VII - sacrificar animais com venenos ou outros métodos não preconizados pela Organização Mundial da Saúde - OMS -, nos programas de profilaxia da raiva. Parágrafo único - Não se enquadra nessa vedação o livre exercício dos cultos e liturgias das religiões de matriz africana.”
O Supremo Tribunal Federal, julgando esse caso em sede de Recurso Extraordinário, entendeu que o parágrafo único acrescentado é constitucional por, entre outros motivos, estabelecer preconceito e estigmatização em face das religiões de matriz africana. Justamente por esse motivo, é passível de cobrança em sua prova objetiva.
O tema, sem dúvida, é bastante complexo, e comporta discussões acaloradas de ambos os lados. Para os fins da sua prova, entretanto, você deve agir com pragmatismo e demonstrar o conhecimento do precedente da Suprema Corte:
“O Tribunal, por maioria, negou provimento ao recurso extraordinário, nos termos do voto do Ministro Edson Fachin, Redator para o acórdão, vencidos, em parte, os Ministros Marco Aurélio (Relator), Alexandre de Moraes e Gilmar Mendes, que também admitiam a constitucionalidade da lei, dando-lhe interpretação conforme. Em seguida, por maioria, fixou-se a seguinte tese: “É constitucional a lei de proteção animal que, a fim de resguardar a liberdade religiosa, permite o sacrifício ritual de animais em cultos de religiões de matriz africana”, vencido o Ministro Marco Aurélio. Não participaram da fixação da tese os Ministros Ricardo Lewandowski e Gilmar Mendes. Ausente, justificadamente, o Ministro Celso de Mello.
RE 494601, Plenário, 28.03.2019.”
(E) Uma situação mais doutrinária, que exige o conhecimento do conceito de racismo institucional, gravíssimo problema na proteção de direitos humanos no Brasil.
A problemática abordada, contudo, cingiu-se ao mero conceito desse tipo de discriminação, presente nas lições do já citado André de Carvalho Ramos e aqui reproduzido ipsis litteris. Fique atento, uma vez que o tema tem ganhando cada vez mais relevância e tem tudo para constar em sua prova.
“No Brasil, a discriminação sistêmica foi detectada no chamado “racismo institucional” que consiste em um conjunto de normas, práticas e comportamentos discriminatórios cotidianos adotados por organizações públicas ou privadas que, movidos por estereótipos e preconceitos, impõe a membros de grupos raciais ou étnicos discriminados situação de desvantagem no acesso a benefícios gerados pelo Estado e por demais instituições e organizações.” (RAMOS, 2017)
Gabarito: Alternativa (C).
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