Convenção de Haia sobre os Aspectos Civis do Sequestro Internacional de Crianças: aspectos relevantes!
Nosso plano de Questões Discursivas traz, a cada semana, 4 (quatro) novas questões de caráter dissertativo, sempre inéditas e exclusivas, para serem respondidas pelos nossos alunos e, na sequência, corrigidas e avaliadas pelos nossos professores, com a seleção das melhores respostas.
Em recente rodada, uma das questões veio assim formulada:
(EMAGIS) Sobre a Convenção de Haia sobre os Aspectos Civis do Sequestro Internacional de Crianças (Decreto nº 3.413/2000), discorra sobre: (i) a transferência ou retenção ilícita de uma criança; e (ii) exceções à regra de retorno da criança.
Confira, abaixo, uma síntese dos comentários preparados pelos nossos professores:
Este questionamento de Direito Internacional referente à Rodada 12.2019 trata sobre a Convenção de Haia sobre os Aspectos Civis do Sequestro Internacional de Crianças (Decreto nº 3.413/2000), tema muito cobrado em certames públicos, cuja leitura obrigatória se encontra nos artigos 12 e 13 da Convenção. O objetivo do questionamento é levar ao conhecimento do aluno Emagis dois pontos relevantes sobre a Convenção, quais sejam: (i) a transferência ou retenção ilícita de uma criança; e (ii) exceções à regra de retorno da criança.
Pois bem.
Com o objetivo de resguardar os interesses da criança em relação às questões relativas à sua guarda, foi celebrada a Convenção de Haia sobre o Sequestro Internacional de Crianças (Decreto nº 3.143/200). O objetivo desse tratado internacional é proteger a criança dos efeitos prejudiciais resultantes da mudança de domicílio ou de retenção ilícitas e estabelecer procedimentos que garantam o retorno da criança ao Estado de sua residência habitual, bem como assegurar a proteção do direito de visita.
Vale ressaltar que antes de o Brasil aderir à essa Convenção, o sequestro internacional de menores não era tutelado por nenhuma norma do ordenamento jurídico brasileiro. Com isso, se um pai levasse irregularmente o filho para fora do Brasil, a mãe precisaria acionar a Justiça estrangeira, sem qualquer apoio do Estado brasileiro.
No Brasil, um caso que ficou bastante conhecido, pela ampla repercussão, foi o do menino Sean Goldman. Sean era filho de um americano (David Goldman) com uma brasileira (Bruna Bianchi) e morou com os pais entre 2000 e 2004 nos EUA. Ocorre que em 2004, Bruna Bianchi retornou ao Brasil trazendo Sean e decidiu terminar o relacionamento com o americano. David ingressou com ação judicial, mas a Justiça decidiu de maneira desfavorável a ele. Bruna Bianchi, tendo se casado novamente, faleceu em razão de complicações no parto. Novamente, David acionou a Justiça, pleiteando a guarda do filho, alegando que, após a morte da mãe, ele estaria retido ilicitamente no Brasil pelo seu padrasto. O caso chegou ao Supremo Tribunal Federal, tendo o Ministro Gilmar Mendes determinado o retorno de Sean ao seu pai biológico.
A respeito da Convenção de Haia sobre o Sequestro Internacional de Crianças, o art. 1º traz dois objetivos, quais sejam: (i) assegurar o retorno imediato de crianças ilicitamente transferidas para qualquer Estado Contratante e nele retidas indevidamente, objetivo este que representa a essência da Convenção, ou seja, pressupõe que a criança tem o direito de conviver com os dois pais, momento em que nenhum deles tem o direito de privar a criança da convivência do outro; (ii) fazer respeitar de maneira efetiva nos outros Estados Contratantes os direitos de guarda e de visita existentes em um Estado Contratante. Dessa forma, quando já houver delimitação de direito de guarda e visita, a Convenção visa garantir que tal decisão seja cumprida.
Ressalta-se que os objetivos da Convenção têm como escopo o princípio do melhor interesse da criança ou Best Interest of a Child, que significa que deve ser levada em consideração a peculiar condição de pessoa em desenvolvimento.
Neste sentido o RESP 1.293.800.
“CONVENÇÃO DA HAIA SOBRE ASPECTOS CIVIS DO SEQUESTRO INTERNACIONAL DE CRIANÇAS. COOPERAÇÃO JURÍDICA ENTRE ESTADOS. BUSCA E APREENSÃO DE MENORES. REPATRIAÇÃO. 1. Cinge-se a controvérsia à aplicação da Convenção sobre os Aspectos Civis do Sequestro Internacional de Crianças, ratificada pelo ordenamento jurídico brasileiro vinte anos após sua conclusão mediante a edição do Decreto n. 3.413, de 14.4.2000, que entrou em vigor na data de sua publicação no DOU em 17.4.2000, tendo como objetivo (artigo 1o): "a) assegurar o retorno imediato de crianças ilicitamente transferidas para qualquer Estado Contratante ou nele retidas indevidamente; b)" fazer respeitar de maneira efetiva nos outros Estados Contratantes os direitos de guarda e de visita existentes num Estado Contratante. "2. A competência para a ação de repatriação proposta pela União em cumprimento a tratado internacional é da Primeira Seção (Regimento Interno, art. 9o, § 1o, XIII), ao contrário da ação de guarda, de direito de família, cuja competência é atribuída à Segunda Seção. 3. A Convenção da Haia sobre os Aspectos Civis do Sequestro Internacional de Crianças tem como escopo a tutela do princípio do melhor interesse da criança, de modo que nos termos do caput do art. 12 da referida Convenção, “Quando uma criança tiver sido ilicitamente transferida ou retida nos termos do Artigo 3o e tenha decorrido um período de menos de 1 ano entre a data da transferência ou da retenção indevidas e a data do início do processo perante a autoridade judicial ou administrativa do Estado Contratante onde a criança se encontrar a autoridade respectiva deverá ordenar o retorno imediato da criança." 4. De acordo com o REsp 1.239.777/PE, Rel. Min. César Asfor Rocha, a Convenção da Haia, não obstante apresente reprimenda rigorosa ao sequestro internacional de menores com determinação expressa de retorno deste ao país de origem, garante o bem estar e a integridade física e emocional da criança, o que deve ser avaliado de forma criteriosa, fazendo-se necessária a prova pericial psicológica. 5. Na hipótese dos autos, a ação foi proposta após o prazo de 1 (um) ano a que se refere o art. 12 caput da Convenção. Sendo que o acórdão recorrido, ao reformar a sentença para que a menor permanecesse em solo brasileiro assentou que “diante da constatação no estudo psicológico de que a menor se encontra inteiramente integrada ao meio em que vive e que a mudança de domicílio poderá causar malefícios no seu futuro desenvolvimento -, e do próprio reconhecimento da Autoridade Central Administrativa de que “não seria prudente, portanto, arriscar que ela vivencie uma nova 'ruptura' de vínculos afetivos, especialmente em virtude de sua tenra idade"(três anos à época da avaliação) -, a “interpretação restritiva “dada pelo ilustre Juiz ao art. 12 da Convenção, determinando o imediato regresso à Argentina, quatro anos depois do seu ingresso em solo nacional (hoje conta com seis anos), vai de encontro à finalidade principal da Convenção, que é a proteção do interesse da criança." 6. Nesse ponto, melhor destino não se revela o recurso, pois a tarefa de apreciar os elementos de convicção e apontar o" melhor interesse da criança "não ultrapassa a instância ordinária, soberana no exame do acervo fático-probatório dos autos. Incidência da súmula 7/STJ. Precedentes: (REsp 900262/RJ, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, TERCEIRA TURMA, julgado em 21/6/2007, DJ 08/11/2007; REsp 954.877/SC, Rel. Ministro JOSÉ DELGADO, Rel. p/ Acórdão Ministro TEORI ALBINO ZAVASCKI, PRIMEIRA TURMA, julgado em 4/9/2008, DJe 18/9/2008) Recurso especial não conhecido.” (STJ REsp 1293800 MG, Relator: Ministro HUMBERTO MARTINS, Data de Julgamento: 28/05/2013, T2 - SEGUNDA TURMA) (grifos meus)
No que tange à primeira parte do questionamento, a transferência ou retenção ilícita ocorre quando há violação a direito de guarda efetivamente exercido no momento da transferência ou retenção, conforme artigo 3º da Convenção:
“A transferência ou a retenção de uma criança é considerada ilícita quando: a) tenha havido violação a direito de guarda atribuído a pessoa ou a instituição ou a qualquer outro organismo, individual ou conjuntamente, pela lei do Estado onde a criança tivesse sua residência habitual imediatamente antes de sua transferência ou da sua retenção; e b) esse direito estivesse sendo exercido de maneira efetiva, individual ou em conjuntamente, no momento da transferência ou da retenção, ou devesse está-lo sendo se tais acontecimentos não tivessem ocorrido. O direito de guarda referido na alínea a) pode resultar de uma atribuição de pleno direito, de uma decisão judicial ou administrativa ou de um acordo vigente segundo o direito desse Estado.”
Assim, será ilícita a transferência ou retenção de uma criança quando: (i) tiver havido violação ao direito de guarda, nos termos da lei do Estado onde a criança tivesse sua residência habitual e; (ii) o direito de guarda estivesse sendo exercido de maneira efetiva, individual ou conjuntamente.
A Convenção de Haia se aplica a qualquer criança que tenha residência habitual num Estado contratante, imediatamente antes da violação do direito de guarda ou de visita. Ressalta-se que não se aplica a Convenção de Haia a partir do momento em que a criança completar 16 anos de idade (artigo 4º, do Decreto nº 3.413/2000).
A respeito do segundo questionamento, a regra geral é que, quando ocorre uma transferência ou retenção ilícita de uma criança, deverá ser determinado o seu retorno imediato. Contudo, nem sempre isso é possível. Nesse sentido, a Convenção de Haia apresenta algumas exceções essa regra.
Segundo o artigo 12, da Convenção de Haia:
“Quando uma criança tiver sido ilicitamente transferida ou retida nos termos do Artigo 3 e tenha decorrido um período de menos de 1 ano entre a data da transferência ou da retenção indevidas e a data do início do processo perante a autoridade judicial ou administrativa do Estado Contratante onde a criança se encontrar, a autoridade respectiva deverá ordenar o retomo imediato da criança. A autoridade judicial ou administrativa respectiva, mesmo após expirado o período de um ano referido no parágrafo anterior, deverá ordenar o retorno da criança, salvo quando for provado que a criança já se encontra integrada no seu novo meio.” (grifos meus)
A primeira exceção, de acordo com o artigo 12 da Convenção, é a da integração da criança ao seu novo meio. Assim, havendo demora na realização do pedido de retorno e estando adaptada a criança no seu novo meio (exemplo: ter amigos, escola, família, etc), a autoridade central não ordenará o retorno imediato da criança.
De acordo com o art. 13 da Convenção:
“Sem prejuízo das disposições contidas no Artigo anterior, a autoridade judicial ou administrativa do Estado requerido não é obrigada a ordenar o retomo da criança se a pessoa, instituição ou organismo que se oponha a seu retomo provar: a) que a pessoa, instituição ou organismo que tinha a seu cuidado a pessoa da criança não exercia efetivamente o direito de guarda na época da transferência ou da retenção, ou que havia consentido ou concordado posteriormente com esta transferência ou retenção; ou b) que existe um risco grave de a criança, no seu retorno, ficar sujeita a perigos de ordem física ou psíquica, ou, de qualquer outro modo, ficar numa situação intolerável. A autoridade judicial ou administrativa pode também recusar-se a ordenar o e retorno da criança se verificar que esta se opõe a ele e que a criança atingiu já idade e grau de maturidade tais que seja apropriado levar em consideração as suas opiniões sobre o assunto. Ao apreciar as circunstâncias referidas neste Artigo, as autoridades judiciais ou administrativas deverão tomar em consideração as informações relativas à sittuação social da criança fomecidas pela Autoridade Central ou por qualquer outra autoridade competente do Estado de residência habitual da criança.” (grifos meus)
Como podemos observar, também é exceção à regra do retorno ao domicílio habitual no caso de direito de guarda não efetivo ou existência de consentimento com a transferência e retenção, nos termos do artigo 13, “a”. Neste dispositivo observa-se que não haveria sequer transferência ou retenção ilícita, pois somente há se o direito de guarda for efetivo e houver ausência de consentimento, não havendo que se falar em retorno.
A terceira exceção trata do risco de a criança ficar sujeita a perigos físicos ou psíquicos ou em uma situação intolerável com o retorno (artigo 13, “b”). É difícil um processo em que havendo afirmação de retenção ilícita, não haja alegação de risco de abuso sexual, necessitando de prova, mas que se confirmando motivará o juiz a não determinar o retorno da criança.
Ainda, de acordo com o artigo 13 da Convenção, excetua-se caso haja oposição da criança que já tenha maturidade para superar uma situação de alienação parental, devendo ser levada em consideração as suas opiniões. Portanto, a criança não será devolvida se houver tal oposição.
Ademais, poderá também ser negado o retorno no caso de, nos termos do artigo 20 da Convenção, incompatibilidade com princípios fundamentais. Essa exceção tem a ver com a reserva da ordem pública, a exemplo de violação de direitos humanos.
“O retomo da criança de acordo com as disposições contidas no Artigo 12° poderá ser recusado quando não for compatível com os princípios fundamentais do Estado requerido com relação à proteção dos direitos humanos e das liberdades fundamentais.” (grifos meus)
Por fim, quanto às exceções, devem ser feitas algumas observações: a primeira no tocante ao artigo 17, quanto ao fato de que a existência de decisão relativa a guarda não justifica recusa de retorno. Além disso, o ônus da prova é de quem alega a exceção, de acordo com o entendimento do STJ (REsp 1.196.954/ES), a exemplo de quem se opõe ao retorno afirmar haver risco de violência física e psíquica, deverá prová-la. Ressalta-se que o STJ aceita prova pericial psicológica no caso da alegação de adaptação da criança ao meio (REsp 1.239.777/PE).
Da leitura das considerações apresentadas, concluímos que a Convenção de Haia sobre Aspectos Civis do Sequestro Internacional de Crianças (Decreto nº 3.413/2000) tem como escopo o princípio do melhor interesse da criança ou Best Interest of a Child, que significa que deve ser levada em consideração a peculiar condição de pessoa em desenvolvimento. De acordo com o artigo 3º da Convenção, será ilícita a transferência ou retenção de uma criança quando: (i) tiver havido violação ao direito de guarda, nos termos da lei do Estado onde a criança tivesse sua residência habitual e; (ii) o direito de guarda estivesse sendo exercido de maneira efetiva, individual ou conjuntamente. Nesse sentido, a regra geral é que, quando ocorre uma transferência ou retenção ilícita de uma criança, deverá ser determinado o seu retorno imediato. No entanto, a Convenção apresenta algumas exceções a essa regra. A primeira é a interação da criança ao seu novo meio (artigo 12). Também é exceção à regra o caso de direito de guarda não efetivo ou existência de consentimento com a transferência e retenção (artigo 13, “a”). Como terceira exceção, tem-se o risco de a criança ficar sujeita a perigos físicos ou psíquicos ou em uma situação intolerável com o retorno (artigo 13, b). Também excetua-se caso haja oposição da criança que já tenha maturidade sobre o assunto (artigo 13). Ademais, poderá também ser negado o retorno no caso de incompatibilidade com princípios fundamentais (artigo 20).
Até a próxima!
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