Usucapião especial urbana: pontos importantes!
Olá!
Propomos, hoje, a resolução de uma das questões do nosso curso intensivo para a 1ª fase do concurso para promotor de justiça do MP/SP (2019), assim redigida:
(EMAGIS) Paulo, encanador, casado e sem filhos, no curso de processo judicial de Usucapião, preencheu os requisitos do art. 183 da Constituição Federal para aquisição de imóvel de 75m ², localizado na zona urbana do município Y. Ocorre que o município Y possui em seu Plano Diretor a previsão de módulo mínimo (área mínima a ser observada no parcelamento de solo urbano) de lote urbano com dimensão de 100m².
Considerando o contexto narrado e acerca do instituto da usucapião especial urbana, assinale a opção INCORRETA:
(A) Paulo terá os benefícios da justiça e da assistência judiciária gratuita, inclusive perante o cartório de registro de imóveis, mesmo que não seja hipossuficiente, uma vez que o Estatuto da Cidade prevê tal benefício para a modalidade deste usucapião, também conhecido como pro misero.
(B) É possível o reconhecimento da usucapião quando o prazo exigido por lei se complete no curso do processo judicial, ainda que o réu tenha apresentado contestação.
(C) O fato de haver limitação no plano diretor não impede que Paulo tenha direito à usucapião especial urbana.
(D) Neste tipo de usucapião, não se exige que a pessoa prove que tinha um justo título ou que estava de boa-fé.
(E) Caso Paulo sofra ação de reintegração de posse e, tendo completado os requisitos do art. 183 da CF/88, não é possível que o juiz declare, ex officio, a usucapião na ação possessória.
Resposta correta: Letra A
(A) A afirmação está incorreta. A usucapião especial urbana (pro misero) está tratada no caput do art. 183 da CF/88. De fato, o Estatuto da Cidade (Lei nº 10.257/2001) prevê em seu art. 12, § 2º que: “O autor terá os benefícios da justiça e da assistência judiciária gratuita, inclusive perante o cartório de registro de imóveis”.
No entanto, tal benefício não goza de presunção absoluta. Na esteira da jurisprudência do STJ, o art. 12, §2º, da Lei nº 10.257/2001 não pode ser compreendido de forma isolada, devendo ser interpretado em conjunto e harmonia com as regras sobre gratuidade da justiça, que estão previstas nos arts. 98 a 102 do CPC/2015.
Segundo o STJ, a intenção do § 2º do art. 12 do Estatuto da Cidade foi a de amparar a população de baixa renda, que normalmente é aquela a quem a ação de usucapião especial urbana visa proteger, além de criar uma espécie de presunção inicial da hipossuficiência do autor.
Cite-se o recente julgado:
RECURSO ESPECIAL. DIREITO PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO DE USUCAPIÃO ESPECIAL URBANA. ART. 12 DA LEI Nº 10.257/2001. BENEFÍCIO DA JUSTIÇA E DA ASSISTÊNCIA JUDICIÁRIA GRATUITA. PRESUNÇÃO RELATIVA DE HIPOSSUFICIÊNCIA. 1. O art. 12, §2º, da Lei nº 10.257/2001 - que assegura aos autores da ação de usucapião especial urbana os benefícios da justiça e da assistência judiciária, incluindo-se aí as despesas perante o cartório de registro imobiliário - deve ser interpretado em conjunto e harmonia com as disposições da Lei nº 1.060/1950 e, a partir de 18 de março de 2016, do Código de Processo Civil de 20015. 2. A Lei nº 10.257/2001 concede ao autor da ação de usucapião especial urbana espécie de presunção relativa de hipossuficiência que, por isso, é ilidida a partir da comprovação inequívoca de que o autor não pode ser considerado "necessitado" nos termos do § 2º da Lei nº 1.060/1950. 3. No caso, o próprio autor reconheceu, em sua petição inicial, não preencher os requisitos da Lei nº 1.060/1950 para fins de obtenção dos benefícios da justiça gratuita, o que afasta qualquer possibilidade de concessão destes, sendo irrelevante para tanto que tenham sido requeridos com esteio no § 2º do art. 12 do Estatuto da Cidade (Lei nº 10.257/2001). 4. Recurso especial não provido. (REsp 1517822/SP, Rel. Ministro RICARDO VILLAS BÔAS CUEVA, TERCEIRA TURMA, julgado em 21/02/2017, DJe 24/02/2017)
(B) A alternativa está correta. Em recente julgado (Info 630), o STJ considerou o fato do autor ter continuado na posse do bem durante a tramitação do processo, o requisito temporal foi atingido no curso da demanda, sendo possível, assim, o reconhecimento da prescrição aquisitiva.
Vide julgado:
RECURSO ESPECIAL. DIREITO CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. USUCAPIÃO EXTRAORDINÁRIA. PRESCRIÇÃO AQUISITIVA. PRAZO. IMPLEMENTAÇÃO. CURSO DA DEMANDA. POSSIBILIDADE. FATO SUPERVENIENTE. ART. 462 DO CPC/1973. CONTESTAÇÃO. INTERRUPÇÃO DA POSSE. INEXISTÊNCIA. ASSISTENTE SIMPLES. ART. 50 DO CPC/1973. 1. Recurso especial interposto contra acórdão publicado na vigência do Código de Processo Civil de 1973 (Enunciados Administrativos nºs 2 e 3/STJ). 2. Cinge-se a controvérsia a definir se é possível o reconhecimento da usucapião de bem imóvel na hipótese em que o requisito temporal (prazo para usucapir) previsto em lei é implementado no curso da demanda. 3. A decisão deve refletir o estado de fato e de direito no momento de julgar a demanda, desde que guarde pertinência com a causa de pedir e com o pedido. Precedentes. 4. O prazo, na ação de usucapião, pode ser completado no curso do processo, em conformidade com o disposto no art. 462 do CPC/1973 (correspondente ao art. 493 do CPC/2015). 5. A contestação não tem a capacidade de exprimir a resistência do demandado à posse exercida pelo autor, mas apenas a sua discordância com a aquisição do imóvel pela usucapião.
6. A interrupção do prazo da prescrição aquisitiva somente poderia ocorrer na hipótese em que o proprietário do imóvel usucapiendo conseguisse reaver a posse para si. Precedentes. 7. Na hipótese, havendo o transcurso do lapso vintenário na data da prolação da sentença e sendo reconhecido pelo tribunal de origem que estão presentes todos os demais requisitos da usucapião, deve ser julgado procedente o pedido autoral. 8. O assistente simples recebe o processo no estado em que se encontra, não podendo requerer a produção de provas e a reabertura da fase instrutória nesta via recursal (art. 50 do CPC/1973). Precedente. 9. Recurso especial provido. (REsp 1361226/MG, Rel. Ministro RICARDO VILLAS BÔAS CUEVA, TERCEIRA TURMA, julgado em 05/06/2018, DJe 09/08/2018) (Grifos nossos)
(C) A assertiva está correta. Para que seja deferido o direito à usucapião especial urbana basta o preenchimento dos requisitos exigidos pelo texto constitucional, de modo que não se pode impor obstáculos, de índole infraconstitucional, para impedir que se aperfeiçoe, em favor de parte interessada, o modo originário de aquisição de propriedade. Tal tema foi julgado pelo Plenário do STF, em sede de repercussão geral. (RE 422349/RS, Rel. Min. Dias Toffoli, julgado em 29/4/2015) (Info 783).
O Superior Tribunal de Justiça também já enfrentou o tema, conforme ementa abaixo transcrita:
RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DE USUCAPIÃO. USUCAPIÃO ESPECIAL URBANA. REQUISITOS DO ART. 183 DA CF/88 REPRODUZIDOS NO ART. 1.240 DO CCB/2002. PREENCHIMENTO. PARCELAMENTO DO SOLO URBANO. LEGISLAÇÃO INFRACONSTITUCIONAL. LEGISLAÇÃO MUNICIPAL. ÁREA INFERIOR. IRRELEVÂNCIA. INDEFERIMENTO DO PEDIDO DECLARATÓRIO. IMPOSSIBILIDADE. JULGAMENTO PELO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. REPERCUSSÃO GERAL. RE Nº 422.349/RS. MÁXIMA EFICÁCIA DA NORMA CONSTITUCIONAL. 1. Cuida-se de ação de usucapião especial urbana em que a autora pretende usucapir imóvel com área de 35,49 m2. 2. Pedido declaratório indeferido pelas instâncias ordinárias sob o fundamento de que o imóvel usucapiendo apresenta metragem inferior à estabelecida na legislação infraconstitucional que dispõe sobre o parcelamento do solo urbano e nos planos diretores municipais. 3. O Supremo Tribunal Federal, nos autos do RE nº 422.349/RS, após reconhecer a existência de repercussão geral da questão constitucional suscitada, fixou a tese de que, preenchidos os requisitos do artigo 183 da Constituição Federal, cuja norma está reproduzida no art. 1.240 do Código Civil, o reconhecimento do direito à usucapião especial urbana não pode ser obstado por legislação infraconstitucional que estabeleça módulos urbanos na respectiva área em que situado o imóvel (dimensão do lote). 4. Recurso especial provido. (REsp 1360017/RJ, Rel. Ministro RICARDO VILLAS BÔAS CUEVA, TERCEIRA TURMA, julgado em 05/05/2016, DJe 27/05/2016) (Grifos nossos)
(D) A afirmação também está correta, pois nesta modalidade de usucapião não se exige justo título e boa-fé.
Os requisitos da usucapião especial urbana estão previstos no art. 183 da CF e consistem:
- área urbana não superior a 250m²;
- a pessoa deve ter a posse mansa e pacífica dessa área por, no mínimo, 5 anos ininterruptos, sem oposição de ninguém;
- o imóvel deve estar sendo utilizado para a moradia da pessoa ou de sua família e;
- a pessoa não pode ser proprietária de outro bem imóvel (urbano ou rural).
(E) A afirmação está correta. Segundo a 4ª Turma do STJ (REsp 1106809/RS, julgado em 03/03/2015), não é possível o reconhecimento ex officio da usucapião pelo magistrado. Ressalte-se que mesmo o referido julgado se referindo ao CPC de 1973, permanece no CPC de 2015 o mesmo entendimento.
RECURSO ESPECIAL - AÇÃO DE ANULAÇÃO DE ESCRITURAS PÚBLICAS DE COMPRA E VENDA E MATRÍCULA DE TERRENOS (LOTES 9 E 10) LOCALIZADOS EM CAPÃO DA CANOA/RS - FALSIDADE DE ASSINATURA NOS TÍTULOS TRANSMISSIVOS DE PROPRIEDADE CONSTANTE DOS REGISTROS IMOBILIÁRIOS REALIZADOS QUANDO EM VIGOR O DIPLOMA CIVILISTA DE 1916 - ARGUIÇÃO, COMO MATÉRIA DE DEFESA, DO IMPLEMENTO DOS REQUISITOS DA USUCAPIÃO ORDINÁRIA NO TOCANTE AO LOTE 10 - TRIBUNAL A QUO QUE MODIFICOU A SENTENÇA A FIM DE JULGAR IMPROCEDENTE A DEMANDA ANULATÓRIA ANTE A DECLARAÇÃO DE QUE OS IMÓVEIS FORAM ABSORVIDOS PELA PRESCRIÇÃO AQUISITIVA - PRONUNCIAMENTO EXARADO DE OFÍCIO RELATIVAMENTE AO LOTE 9 - RECURSO ESPECIAL INTERPOSTO PELO AUTOR. Hipótese: Controvérsia que se subsume à possibilidade de se declarar, de ofício, a prescrição aquisitiva da propriedade, no bojo de ação anulatória movida por proprietário que teve sua assinatura forjada por falsários os quais, fazendo uso de títulos que ensejaram as escrituras públicas nº 13540 e 13608, transferiram direito alheio como sendo próprio (venda a non domino).
1. As informações constantes de registro público possuem presunção relativa, nos termos do caput do art. 214 da Lei de Registros Públicos - "as nulidades de pleno direito do registro, uma vez provadas, invalidam-no, independentemente de ação direta" - porém, consoante o § 5º do referido dispositivo "a nulidade não será decretada se atingir terceiro de boa-fé que já tiver preenchido as condições de usucapião do imóvel".
A declaração de usucapião é forma de aquisição originária da propriedade e de outros direitos reais, contra o anterior proprietário, consubstanciando o exercício da posse ad usucapionem pelo interregno temporal exigido por lei. A presunção de legitimidade do registro, associada à boa-fé do adquirente, culmina por excepcionar a intransigência da regra geral de que o negócio jurídico nulo não é suscetível de confirmação, tampouco convalesce pelo decurso do tempo. Na hipótese, é irrefutável a boa-fé dos adquirentes dos lotes 9 e 10, pois, além dessa ser presumida por expressa disposição legal (art. 490, parágrafo único, do Código Civil de 1916), verifica-se que foram enganados por falsários mediante a utilização de título aparentemente justo capaz de iludir qualquer pessoa naquela situação. 2. No ordenamento jurídico brasileiro, existem duas formas de prescrição: a extintiva e a aquisitiva. 2.1 A prescrição extintiva, prescrição propriamente dita, conduz à perda do direito de ação por seu titular negligente, ao fim de certo lapso de tempo. A prescrição aquisitiva, por sua vez, faz com que um determinado direito seja adquirido pela inércia e pelo lapso temporal, sendo também chamada de usucapião. Ambas têm em comum os elementos tempo e inércia do titular, mas enquanto na primeira eles dão lugar à extinção do direito, na segunda produzem a sua aquisição. A legislação que instituiu o § 5º do artigo 219 do Código de Processo Civil não estabeleceu qualquer distinção em relação à espécie de prescrição. Contudo, tal diferenciação é imprescindível sob pena de ocasionar insegurança jurídica, além de violação aos princípios do contraditório e ampla defesa, pois, no processo de usucapião, o direito de defesa assegurado ao confinante é impostergável, eis que lhe propicia oportunidade de questionar os limites oferecidos ao imóvel usucapiendo. O dispositivo constante do art. 219, § 5º está intimamente ligado às causas extintivas, conforme expressamente dispõe o art. 220 do CPC: "o disposto no artigo anterior aplica-se a todos os prazos extintivos previstos na lei", sendo que a simples leitura dos arts. 219 e 220 do CPC demonstra a impropriedade de se pretender projetar os ditames do § 5º do art. 219 para as hipóteses de usucapião. Usucapião e prescrição constituem institutos díspares, sendo inadequada a aplicação da disciplina de um deles frente ao outro, vez que a expressão prescrição aquisitiva tem vínculos mais íntimos a fundamentos fáticos/históricos do que a contornos meramente temporais. 2.2 Na prescrição aquisitiva, ou usucapião, é indispensável que o postulante alegue seu direito, quer por via de ação própria, quer por exceção de domínio, nos termos da súmula 237/STF, "o usucapião pode ser arguido em defesa", não sendo dado ao magistrado declará-lo de ofício mediante a invocação do art. 219, § 5º, do CPC. O momento para a arguição da prescrição aquisitiva, sob pena de preclusão, é na contestação, uma vez que ante o princípio da igualdade das partes no processo, consoante o art. 128 do CPC, deve o juiz decidir a lide nos limites em que foi proposta, sendo-lhe defeso conhecer de questões não suscitadas a cujo respeito a lei exige a iniciativa da parte. (…) 3. Recurso especial parcialmente provido para declarar incabível a aplicação da prescrição aquisitiva de ofício, com a consequente procedência da ação anulatória no tocante ao lote 9, e, relativamente ao lote 10, determinar o retorno dos autos ao Tribunal de origem para que analise detidamente a efetiva ocorrência da prescrição aquisitiva alegada como matéria de defesa. (REsp 1106809/RS, Rel. Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, Rel. p/ Acórdão Ministro MARCO BUZZI, QUARTA TURMA, julgado em 03/03/2015, DJe 27/04/2015) (Grifos nossos)
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