Responsabilidade civil do Estado: aspectos importantes!
Olá, pessoal!
Propomos, hoje, a resolução de uma das questões do nosso curso intensivo para o atual concurso do MP/SP (2019), assim redigida:
(EMAGIS) No que concerne à responsabilidade civil do Estado, assinale a alternativa incorreta.
(A) É tradicional a distinção entre a responsabilidade civil por danos causados pela atuação estatal e o sacrifício de direitos promovido pelo Poder Público. Enquanto a responsabilidade civil do Estado pressupõe violação a direitos, normalmente mediante conduta contrária ao ordenamento jurídico, gerando o dever de ressarcimento dos prejuízos causados, o sacrifício de direitos envolve situações em que a própria ordem jurídica confere ao Estado a prerrogativa de restringir ou suprimir direitos patrimoniais de terceiros, mediante o devido processo legal e o pagamento de indenização.
(B) Apenas com o advento da Constituição de 1946 o ordenamento jurídico brasileiro consagrou a teoria da responsabilidade objetiva das pessoas jurídicas de direito público, que foi mantida na Constituição de 1967, na EC 1/1969 e na Constituição de 1988.
(C) A responsabilidade civil das pessoas jurídicas de direito privado prestadoras de serviço público é objetiva relativamente a terceiros usuários e não-usuários do serviço.
(D) A teoria adotada quanto ao nexo de causalidade é a teoria da causalidade adequada, também denominada teoria da interrupção do nexo causal.
(E) O Estado responde, objetivamente, pelos atos dos tabeliães e registradores oficiais que, no exercício de suas funções, causem dano a terceiros, assentado o dever de regresso contra o responsável, nos casos de dolo ou culpa, sob pena de improbidade administrativa.
Letra (A): correta.
Sobre o tema, é esclarecedora a doutrina do prof. Rafael Oliveira:
“É tradicional a distinção entre a responsabilidade civil por danos causados pela atuação estatal e o sacrifício de direitos promovido pelo Poder Público. Enquanto a responsabilidade civil do Estado pressupõe violação a direitos, normalmente mediante conduta contrária ao ordenamento jurídico (ex.: indenização por erro médico ocorrido em hospital público), gerando o dever de ressarcimento dos prejuízos causados, o sacrifício de direitos envolve situações em que a própria ordem jurídica confere ao Estado a prerrogativa de restringir ou suprimir direitos patrimoniais de terceiros, mediante o devido processo legal e o pagamento de indenização (ex.: desapropriação).
Na responsabilidade civil, a lesão aos direitos de terceiros é efeito reflexo da atuação estatal, lícita ou ilícita. Por outro lado, o sacrifício de direitos compreende atuação estatal, autorizada pelo ordenamento, que tem por objetivo principal (direto) restringir ou extinguir direitos de terceiros, mediante pagamento de indenização.” (OLIVEIRA, Rafael Rezende. Curso de Direito Administrativo, 6ª edição, p. 763)
Letra (B): correta.
A respeito, confira-se:
“Apenas com o advento da Constituição de 1946 (art. 194), o ordenamento jurídico consagra a teoria da responsabilidade objetiva das pessoas jurídicas de direito público, que é mantida na Constituição de 1967 (art. 105) e na EC 1/1969 (art. 107).” (OLIVEIRA, Rafael Rezende. Curso de Direito Administrativo, 6ª edição, p. 765)
Na CF/88, como é cediço, essa responsabilidade objetiva foi consagrada no seu art. 37, § 6º.
Letra (C): correta.
É esta, deveras, a jurisprudência firmada pelo STF em sede de repercussão geral:
CONSTITUCIONAL. RESPONSABILIDADE DO ESTADO. ART. 37, § 6o, DA CONSTITUIÇÃO. PESSOAS JURÍDICAS DE DIREITO PRIVADO PRESTADORAS DE SERVIÇO PÚBLICO. CONCESSIONÁRIO OU PERMISSIONÁRIO DO SERVIÇO DE TRANSPORTE COLETIVO. RESPONSABILIDADE OBJETIVA EM RELAÇÃO A TERCEIROS NÃO-USUÁRIOS DO SERVIÇO. RECURSO DESPROVIDO. I - A responsabilidade civil das pessoas jurídicas de direito privado prestadoras de serviço público é objetiva relativamente a terceiros usuários e não-usuários do serviço, segundo decorre do art. 37, § 6o, da Constituição Federal. II - A inequívoca presença do nexo de causalidade entre o ato administrativo e o dano causado ao terceiro não-usuário do serviço público, é condição suficiente para estabelecer a responsabilidade objetiva da pessoa jurídica de direito privado. III - Recurso extraordinário desprovido. (RE 591.874, Tribunal Pleno, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, Dje de 17/12/2009).
Letra (D): INCORRETA.
A teoria adotada é a do dano direto e imediato, também denominada de teoria da interrupção do nexo causal:
“Responsabilidade civil do Estado. Dano decorrente de assalto por quadrilha de que fazia parte preso foragido vários meses antes. - A responsabilidade do Estado, embora objetiva por força do disposto no artigo 107 da Emenda Constitucional n. 1/69 (e, atualmente, no paragrafo 6. do artigo 37 da Carta Magna), não dispensa, obviamente, o requisito, também objetivo, do nexo de causalidade entre a ação ou a omissão atribuída a seus agentes e o dano causado a terceiros. - Em nosso sistema jurídico, como resulta do disposto no artigo 1.060 do Código Civil, a teoria adotada quanto ao nexo de causalidade é a teoria do dano direto e imediato, também denominada teoria da interrupção do nexo causal. Não obstante aquele dispositivo da codificação civil diga respeito a impropriamente denominada responsabilidade contratual, aplica-se ele também a responsabilidade extracontratual, inclusive a objetiva, até por ser aquela que, sem quaisquer considerações de ordem subjetiva, afasta os inconvenientes das outras duas teorias existentes: a da equivalência das condições e a da causalidade adequada. (...) (STF, RE 130764, Rel. Min. Moreira Alves, DJ de 07/08/1992). Vide, também, Inf. 330 do STF (RE 369820).
"É que a determinação do nexo de causalidade faz-se conforme a denominada teoria da causalidade direta e imediata, segundo a qual são indenizáveis apenas os danos decorrentes diretamente de uma conduta, afastados os prejuízos indiretos e reflexos. Nessa linha, a título meramente ilustrativo, confiram-se os seguintes julgados: RE 130.764, rel. min. Moreira Alves, Primeira Turma, DJ 07.08.1992; RE 369.820, rel. min. Carlos Velloso Segunda Turma, DJ 27.02.2004" (RE 431602 - voto)
Letra (E): correta.
O assunto foi recentemente definido pelo STF na via da repercussão geral:
“O Estado responde, objetivamente, pelos atos dos tabeliães e registradores oficiais que, no exercício de suas funções, causem dano a terceiros, assentado o dever de regresso contra o responsável, nos casos de dolo ou culpa, sob pena de improbidade administrativa.
Essa foi a tese fixada pelo Plenário, ao negar provimento, por votação majoritária, a recurso extraordinário, com repercussão geral reconhecida (tema 777), interposto pelo estado de Santa Catarina contra acórdão que o condenou ao pagamento de indenização por danos decorrentes de erro na elaboração de certidão de óbito, que impediu viúvo de obter benefício previdenciário. O ministro Marco Aurélio foi o único a votar contra a tese.
A maioria dos ministros reafirmou entendimento jurisprudencial do Supremo Tribunal Federal (STF) quanto à responsabilidade direta, primária e objetiva do Estado, contida na regra prevista no art. 37, § 6º, da Constituição Federal (CF/1988) (1), pelos danos que tabeliães e oficiais de registro, no exercício de serviço público por delegação, causem a terceiros. Também fixou orientação no sentido do dever estatal de acionar regressivamente o agente público causador do dano, por dolo ou culpa, considerado o fato de a indenização ser paga com dinheiro público.
Prevaleceu o voto do ministro Luiz Fux (relator), que rememorou a jurisprudência da Corte sobre a matéria e afastou a possibilidade de se extrair a responsabilidade objetiva dos notários e registradores do art. 37, § 6º, da CF/1988.
Salientou a natureza estatal das atividades exercidas pelos tabeliães e registradores oficiais. Essas atividades são munidas de fé pública e se destinam a conferir autenticidade, publicidade, segurança e eficácia às declarações de vontade. Ademais, consoante expressa determinação constitucional, o ingresso na atividade notarial e de registro depende de concurso público, e os atos de seus agentes estão sujeitos à fiscalização estatal (CF/1988, art. 236) (2). Segundo o ministro Fux, não obstante os serviços notariais e de registro sejam exercidos em caráter privado, por delegação do poder público, a responsabilidade civil desses agentes públicos está disciplinada, de forma expressa, em norma de eficácia limitada, na qual definida a competência do legislador ordinário para regular a matéria (CF/1988, art. 236, § 1º). Isto é, a própria Constituição Federal retirou o assento constitucional da regulação da responsabilidade civil e criminal dos notários, relegando-a à autoridade legislativa.
Frisou, no ponto, que o art. 22 da Lei 8.935/1994, na redação dada pela Lei 13.286/2016 (3), regulamenta o art. 236 da CF/1988 e prevê que os notários e oficiais de registro são civilmente responsáveis por todos os prejuízos que causarem a terceiros, por culpa ou dolo, pessoalmente, pelos substitutos que designarem ou escreventes que autorizarem, assegurado o direito de regresso. A disciplina conferida à matéria pelo legislador consagra a responsabilidade civil subjetiva dos notários e oficiais de registro. Portanto, não compete ao STF fazer interpretação analógica e extensiva, a fim de equiparar o regime jurídico da responsabilidade civil de notários ao das pessoas jurídicas de direito privado prestadoras de serviços públicos (CF, art. 37, § 6º).
Ademais, ressaltou que o art. 37, § 6º, da CF/1988 se refere a “pessoas jurídicas” prestadoras de serviços públicos, ao passo que notários e tabeliães respondem civilmente como “pessoas naturais” delegatárias de serviço público, nos termos do referido dispositivo legal.
Vencidos, em parte, nos termos e limites de seus votos, os ministros Edson Fachin e Roberto Barroso, e, integralmente, o ministro Marco Aurélio.” RE 842846/RJ, rel. Min. Luiz Fux, julgamento em 27.2.2019. (RE-842846)
Gabarito: (D).
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