Suspensão de direitos políticos e substituição de pena privativa de liberdade por restritivas de direitos
Nosso plano de Questões Discursivas traz, a cada semana, 4 (quatro) novas questões de caráter dissertativo, sempre inéditas e exclusivas, para serem respondidas pelos nossos alunos e, na sequência, corrigidas e avaliadas pelos nossos professores, com a seleção das melhores respostas.
Em recente rodada, uma das questões veio assim formulada:
(EMAGIS) Discorra sobre a suspensão de direitos políticos no caso de substituição da pena privativa de liberdade pela restritiva de direitos.
Confira, abaixo, uma síntese dos comentários preparados pelos nossos professores:
No centro do debate está a exegese do art. 15, inciso III, da Constituição Federal, que expressa: “Art. 15. É vedada a cassação de direitos políticos, cuja perda ou suspensão só se dará nos casos de: [...] III - condenação criminal transitada em julgado, enquanto durarem seus efeitos;”
É consabido que o Supremo Tribunal, há alguns anos, entendeu caracterizada a repercussão geral da controvérsia sobre a suspensão dos direitos políticos de condenado a pena privativa de liberdade substituída por pena restritiva de direito (Tema nº 370). O paradigma admitido pela Corte – Recurso Extraordinário nº 601.182/MG – recebeu a ementa abaixo:
“DIREITOS POLÍTICOS – CONDENAÇÃO CRIMINAL – SUBSTITUIÇÃO DA PENA RESTRITIVA DA LIBERDADE PELA RESTRITIVA DE DIREITOS – ARTIGO 15, INCISO III, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL – ALCANCE – AFASTAMENTO DA SUSPENSÃO NA ORIGEM – REPERCUSSÃO GERAL CONFIGURADA. Possui repercussão geral a controvérsia sobre a suspensão de direitos políticos, versada no artigo 15, inciso III, da Constituição Federal, tendo em vista a substituição da pena privativa de liberdade pela restritiva de direitos.” (STF, Tribunal Pleno, RE 601.182-RG/MG, Rel. Ministro Marco Aurélio, DJe-068 publicado em 11/04/2011)
Em conhecida obra doutrinária, Alexandre de Moraes enfrentou a matéria com as seguintes palavras:
“Todos os sentenciados que sofrerem condenação criminal com trânsito em julgado estarão com seus direitos políticos suspensos até que ocorra a extinção da punibilidade, como consequência automática e inafastável da sentença condenatória. A duração dessa suspensão cessa com a já citada ocorrência da extinção da punibilidade, seja pelo cumprimento da pena, seja por qualquer outra das espécies previstas no Código Penal, independentemente de reabilitação ou de prova de reparação de danos (Súmula 9 do TSE: ‘A suspensão de direitos políticos decorrente de condenação criminal transitada em julgado cessa com o cumprimento ou a extinção da pena, independendo de reabilitação ou de prova de reparação dos danos’).
Os requisitos para a ocorrência dessa hipótese de suspensão dos direitos políticos são: - condenação criminal com trânsito em julgado: o art. 15, inciso III, da Constituição Federal é auto-aplicável, sendo consequência direta e imediata da decisão condenatória transitada em julgado, não havendo necessidade de manifestação expressa a respeito de sua incidência na decisão condenatória e prescindindo-se de quaisquer formalidades. Assim, a condenação criminal transitada em julgado acarreta a suspensão de direitos políticos pelo tempo em que durarem seus efeitos, independentemente de estar em curso ação de revisão criminal. [...] O disposto no art. 15, inciso III, da Constituição Federal, ao referir-se à expressão ‘condenação criminal transitada em julgado’, não distingue quanto ao tipo de infração penal cometida, abrangendo não só aquelas decorrentes da prática de crimes dolosos ou culposos, mas também as decorrentes de contravenção penal, independentemente da aplicação de pena privativa de liberdade, pois a ratio do citado dispositivo é permitir que os cargos públicos eletivos sejam reservados somente para os cidadãos insuspeitos, preservando-se a dignidade da representação democrática. [...]
- efeitos da condenação criminal: a suspensão dos direitos persistira enquanto durarem as sanções impostas ao condenado, tendo total incidência durante o período de livramento condicional, e, ainda, nas hipóteses de prisão albergue ou domiciliar, pois somente a execução da pena afasta a suspensão dos direitos políticos com base no art. 15, inc. III, da Constituição Federal. Em relação ao período de prova do sursis, por tratar-se de forma de cumprimento de pena, o sentenciado igualmente ficará privado temporariamente de seus direitos políticos.” (‘Direito constitucional’. 17ª ed. São Paulo: Saraiva, 2005, pp. 236-8)
Essa compreensão reflete o posicionamento majoritário firmado pela Suprema Corte quando apreciada a incidência da norma constitucional (art. 15, inciso III, da CRFB) diante de condenação por sentença criminal transitada em julgado e concessão do sursis (durante o curso do período de suspensão condicional da pena). Na oportunidade, apontou-se que a ratio da suspensão dos direitos políticos não é, propriamente, a privação da liberdade (derivada do recolhimento à prisão do condenado), mas de ordem ética, relacionada ao juízo de reprovabilidade expresso na condenação (nessa linha: STF, Tribunal Pleno, RE 179.502/SP, Rel. Ministro Moreira Alves, DJ de 08/09/1995, p. 28.389)
Ainda a respeito, destacamos a seguinte passagem do voto proferido pelo Ministro Celso de Mello ao apreciar o Agravo Regimental no Recurso Ordinário em Mandado de Segurança nº 22.470/SP:
“Essa orientação jurisprudencial firmada pelo Pleno do Supremo Tribunal Federal – ao reconhecer que a condenação penal transitada em julgado implica, desde logo, como necessário efeito decorrente da norma inscrita no art. 15, III, da Constituição, a suspensão temporária de direitos políticos, ainda que favorecido o condenado com o benefício legal do sursis - apóia-se no magistério da doutrina, que, ao destacar o fundamento ético-jurídico que justifica a privação da cidadania em tal específica situação, ressalta que o texto constitucional em questão não distingue, para efeito de sua aplicabilidade, entre a qualidade e a quantidade das penas imponíveis, ou entre a natureza e a gravidade dos delitos praticados, ou, ainda, entre as infrações passíveis de suspensão condicional da pena ou de outros benefícios liberatórios e aquelas que não os admitem [...].” (STF, Primeira Turma, RMS 22.470-AgR/SP, Rel. Ministro Celso de Mello, DJ de 27/09/1996, p. 36.158)
De todo modo, o tema específico objeto desta questão ainda vinha suscitando polêmica na doutrina e divergência jurisprudencial.
Apenas para ilustrar essa constatação, leia-se o seguinte trecho do voto-líder proferido pelo Ministro Og Fernandes no julgamento da Ação Penal nº 741/DF, assinalando o “descabimento” da aplicação da suspensão dos direitos políticos do condenado em face da substituição da pena privativa de liberdade por pena restritiva de direitos (embora tenha sinalizado o viés constitucional da controvérsia e, notadamente, que a matéria estava sob o crivo do STF, tendo em vista o reconhecimento da repercussão geral da controvérsia no precedente adrede mencionado):
“Penso que, nada obstante a previsão contida no art. 15, inc. III, da Constituição Federal, a suspensão ou perda dos direitos políticos somente podem ocorrer se a condenação transitada em julgado disser respeito à privação de liberdade, em regime de cumprimento de pena que seja incompatível com o exercício das liberdades políticas. No caso em exame, trata-se de pena privativa de liberdade que foi substituída por uma pena restritiva de direitos, a título de prestação pecuniária, e por uma pena de multa.
Esclareço, ademais, que a suspensão dos direitos políticos, além da restrição do direito ao voto e ao direito de ser votado, ocasiona diversas outras restrições à vida do cidadão, tais como: impossibilidade de ingresso em curso superior, contratação de determinados empréstimos em instituições públicas, prestar concursos públicos, emitir e renovar passaporte, dentre outras.
Sendo assim, revela-se sanção mais gravosa para o agente, mesmo no caso em que possui o favor legal de substituição da pena privativa de liberdade, revelando-se contraditória a aplicação da norma em casos que tais. Demais disso, tal questão se encontra sob a cláusula da repercussão no âmbito do RE 601.182/MG, Rel. Min. Marcou Aurélio [...].”
O voto do Revisor naquela assentada, Ministro Luis Felipe Salomão, bem evidencia a complexidade e controvérsia em torno da matéria:
“Declaro suspensos os direitos políticos do réu, com esteio no art. 15, inciso III, CF/88. No ponto, não obstante os posicionamentos divergentes sobre o tema, o Supremo Tribunal Federal, há muito, já se manifestou no sentido de que ‘A norma inscrita no art. 15, III, da Constituição reveste-se de autoaplicabilidade, independendo, para efeito de sua imediata incidência, de qualquer ato de intermediação legislativa. Essa circunstância legitima as decisões da Justiça Eleitoral que declaram aplicável, nos casos de condenação penal irrecorrível, e enquanto durarem os seus efeitos, como ocorre na vigência do período de prova do sursis, a sanção constitucional concernente à privação de direitos políticos do sentenciado’ Precedentes: RE 179.502/SP; RE 577.012 AgR, rel. min. Ricardo Lewandowski, j. 9-11-2010, 1ª T, DJEde 25-3-2011).
A propósito, em recentíssimo julgado do STF, de relatoria do Ministro Alexandre de Morais (AP 935, 1ª Turma, j. em 27/2/2018, DJe de 31/7/2018), consignou-se, inclusive, a prescindibilidade da inserção do comando restritivo de maneira expressa na sentença, tratando-se, portanto, de consequência da condenação criminal, cujo implemento, por sua vez, dependerá do trânsito em julgado da sentença, em observância ao princípio da não culpabilidade. Confira-se excerto do voto: [...]
Nessa ordem de ideias, mantido o comando condenatório, não vislumbro razões para o afastamento da aplicação da norma constitucional, ainda que diante da substituição da pena privativa de liberdade por restritiva de direito.”
Na ocasião, a quaestio foi decidida por apertada maioria no âmbito da Corte Especial do Superior Tribunal de Justiça, prevalecendo, contudo, a posição externada pelo Ministro Relator quanto ao “descabimento” da aplicação da suspensão dos direitos políticos do condenado em face da substituição da pena privativa de liberdade por pena restritiva de direitos (STJ, Corte Especial, APn 741/DF, Rel. Ministro Og Fernandes, DJe de 23/10/2018).
Não obstante, o Plenário do Supremo Tribunal Federal debruçou-se sobre o recurso paradigma na recente Sessão de Julgamento de 08/05/2019.
O ilustre Ministro Relator (originário), Ministro Marco Aurélio, sintetizou a temática em debate: “Cumpre definir: a suspensão dos direitos políticos ocorre considerada toda e qualquer condenação criminal transitada em julgado, enquanto durem seus efeitos?”
Na compreensão de sua Excelência, já manifestada em oportunidades anteriores perante o Tribunal Superior Eleitoral e mesmo na Suprema Corte, a suspensão dos direitos políticos decorrentes da condenação criminal transitada em julgado só teria sentido quando houvesse o recolhimento do condenado para o efetivo cumprimento da pena, assim inviabilizando o exercício desse predicado inerente à cidadania. Assim, a norma do art. 15, inciso III, da Carta não teria alcance para conduzir, diante de toda e qualquer condenação criminal transitada em julgado, por si só, à suspensão abrangente dos direitos políticos, “como se esta fosse uma pena acessória”, concluindo: “Assento que, vindo a pena inicial a ser convertida em restritiva de direitos, tem-se quadro decisório que não atrai a suspensão versada no artigo 15, inciso III, da Constituição Federal.”
Todavia, o Ministro Alexandre de Moraes dissentiu do entendimento do Relator e acabou conduzindo a corrente majoritária no Plenário da Suprema Corte.
Na esteira da orientação manifestada em sede doutrinária (acima referida), apontou que o disposto no art. 15, inciso III, da Constituição Federal, ao prever hipóteses de suspensão dos direitos políticos, é autoaplicável, “sendo uma consequência imediata da sentença penal condenatória transitada em julgado [quando não há mais possibilidade de recorrer] independentemente do crime ou da natureza da condenação imposta – se pena privativa de liberdade, restritiva de direitos ou suspensão condicional da pena”, conforme noticiado no site do Supremo Tribunal na internet (em 08/05/2019). E afirmou: “Não importa a sanção, importa que o Estado-juiz condenou, com trânsito em julgado, alguém pela prática de uma conduta criminal”.
A tese de repercussão geral foi assim redigida: “A suspensão de direitos políticos prevista no art. 15, inc. III, da Constituição Federal aplica-se no caso de substituição da pena privativa de liberdade pela restritiva de direitos” (Ata de Julgamento no DJe-101 publicado em 15/05/2019).
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