PAD: reviravolta jurisprudencial
Nosso plano de Questões Discursivas traz, a cada semana, 4 (quatro) novas questões de caráter dissertativo, sempre inéditas e exclusivas, para serem respondidas pelos nossos alunos e, na sequência, corrigidas e avaliadas pelos nossos professores, com a seleção das melhores respostas.
Em recente rodada, uma das questões veio assim formulada:
(EMAGIS) Propina da Silva, servidora pública federal regida pela Lei 8.112/90, é acusada de ter recebido vantagem econômica indevida para que realizasse ato de ofício.
O fato foi levado ao conhecimento da autoridade competente para a abertura do processo administrativo em 1º/04/2014, a qual, contudo, manteve-se inerte, por razões até o momento desconhecidas.
Assumindo nova chefia no órgão, houve a instauração de sindicância em 22/03/2019, a qual, após a devida colheita de provas, concluiu pela abertura de processo administrativo disciplinar, que veio de ser efetivamente instaurado em 19/07/2019, com a portaria que designou a comissão processante.
Diante da situação fática em apreço, e considerando que não houve a apuração criminal acerca do mesmo fato, indaga-se: houve a prescrição da ação disciplinar?
Responda, fundamentadamente, em até 20 (vinte) linhas.
Confira, abaixo, uma síntese dos comentários preparados pelos nossos professores:
A temática relativa ao prazo prescricional para aplicação de sanções disciplinares a servidores públicos deve ser analisada, logicamente, à luz das normas que regem o respectivo vínculo estatuário, em cotejo com as diretrizes traçadas pela jurisprudência.
Nesse passo, na resolução deste exercício devemos examinar as disposições da Lei nº 8.112/1990, que disciplina o regime jurídico dos servidores públicos federais, sendo oportuno referir – em especial para os colegas que têm seus estudos focados mais diretamente nos concursos públicos estaduais e municipais – que não é incomum a legislação local reproduzir, em termos gerais, o modelo adotado na esfera federal. Aliás, cabe aqui o registro de que o Superior Tribunal de Justiça já referendou a aplicação da precitada Lei nº 8.112/1990 no âmbito dos Estados e Municípios quando ausente regramento específico (apenas para exemplificar: STJ, Sexta Turma, RMS 26.095-AgRg/BA, Rel. Ministro Antônio Saldanha Palheiro, DJe de 19/09/2016; STJ, Segunda Turma, RMS 51.348-AgInt/PR, Rel. Ministro Herman Benjamin, DJe de 02/02/2017).
Vejamos os dispositivos legais pertinentes, in verbis: “Art. 142. A ação disciplinar prescreverá: I - em 5 (cinco) anos, quanto às infrações puníveis com demissão, cassação de aposentadoria ou disponibilidade e destituição de cargo em comissão; [...] § 1º O prazo de prescrição começa a correr da data em que o fato se tornou conhecido. § 2º Os prazos de prescrição previstos na lei penal aplicam-se às infrações disciplinares capituladas também como crime. § 3º A abertura de sindicância ou a instauração de processo disciplinar interrompe a prescrição, até a decisão final proferida por autoridade competente. § 4º Interrompido o curso da prescrição, o prazo começará a correr a partir do dia em que cessar a interrupção.”
No que atine à instauração da sindicância administrativa, é preciso ter em mente o princípio da oficialidade e o poder-dever de autotutela que impelem a Administração a apurar a veracidade das irregularidades – supostamente – perpetradas, não sendo possível ignorar, no plano federal, o contido na Lei nº 9.784/1999, ao fixar que o “processo administrativo pode iniciar-se de ofício ou a pedido de interessado” (art. 5º), com aplicação subsidiária assegurada aos processos administrativos específicos (art. 69). Ainda, também a referida Lei nº 8.112/1990, no seu art. 143, prevê que “A autoridade que tiver ciência de irregularidade no serviço público é obrigada a promover a sua apuração imediata, mediante sindicância ou processo administrativo disciplinar, assegurada ao acusado ampla defesa”.
Para além disso, certo é que a contagem do prazo prescricional não tem início a partir da prática do ilícito, mas, sim, do momento em que a Administração, pela autoridade competente para instauração do processo administrativo disciplinar, tomou conhecimento dos fatos, nos moldes do § 1º do art. 142 da Lei nº 8.112/1990. É o que apontam os seguintes arestos, a título meramente ilustrativo:
“[...] 2. O acórdão recorrido está em harmonia com a orientação jurisprudencial desta Corte de que o termo inicial para a contagem do prazo prescricional para o ato punitivo da Administração é a data da ciência do ato imputado pela autoridade competente, não sendo possível acolher a tese recursal de que tal prazo se iniciaria na data da prática do ato. 3. Agravo Interno do particular a que se nega provimento.” (STJ, Primeira Turma, AREsp 374.344-AgInt/MG, Rel. Ministro Napoleão Nunes Maia Filho, DJe de 05/03/2018)
“[...] 1. A jurisprudência deste Superior Tribunal de Justiça é firme no sentido de que o termo inicial da prescrição da pretensão punitiva disciplinar, nos processos administrativos disciplinares, é a data do conhecimento do fato pela autoridade hierarquicamente competente para a instauração do procedimento administrativo, e não da ciência da infração por qualquer servidor público. Precedentes. 2. Ordem denegada.” (STJ, Primeira Seção, MS 21.692/DF, Rel. p/ Acórdão Ministro Og Fernandes, DJe de 18/03/2019)
Demais, interrompida a prescrição da ação disciplinar, nos moldes do § 3º do art. 142 da Lei nº 8.112/1990, resta obstada a sua fluência por 140 (cento e quarenta) dias, prazo legal para o encerramento do PAD, à intelecção do que dispõe o § 4º do art. 142 c/c os arts. 152 e 167, todos do mesmo diploma normativo. Com o decurso deste lapso temporal, a prescrição volta a correr por inteiro (pois, como assinalado, cuida-se de marco interruptivo).
Tal compreensão, pacífica na jurisprudência dos Tribunais Superiores (STF, Segunda Turma, MS 23.436/DF, Rel. Ministro Marco Aurélio, DJ de 15/10/1999; STJ, Primeira Seção, MS 22.575/PA, Rel. Ministro Humberto Martins, DJe de 30/08/2016), restou consolidada no enunciado da Súmula nº 635, recentemente editada pelo Superior Tribunal de Justiça: “Os prazos prescricionais previstos no art. 142 da Lei n. 8.112/1990 iniciam-se na data em que a autoridade competente para a abertura do procedimento administrativo toma conhecimento do fato, interrompem-se com o primeiro ato de instauração válido - sindicância de caráter punitivo ou processo disciplinar - e voltam a fluir por inteiro, após decorridos 140 dias desde a interrupção.”
Observe-se que o verbete sumular indica que o prazo prescricional é interrompido com o primeiro ato de instauração válido, seja a sindicância “de caráter punitivo”, seja o processo administrativo disciplinar. Com o olhar voltado para os elementos informativos do caso hipotético, por certo seria possível entrever alguma controvérsia em relação à natureza da sindicância que precedeu o processo administrativo, notadamente na perspectiva de sua aptidão para interromper a curso da prescrição (a denotar a ocorrência do lustro prescricional fixado no art. 142, inciso I, da Lei nº 8.112/1990, considerado o período compreendido entre a data de conhecimento dos fatos – em 1º/04/2014 – e a efetiva instauração do PAD – em 19/07/2019 –, com a portaria que designou a comissão processante).
No ponto, cabe o registro de que encontramos diversos julgados do Tribunal da Cidadania afirmando que “somente a sindicância instaurada com caráter punitivo tem o condão de interromper o prazo prescricional, e não aquelas meramente investigatórias ou preparatórias de um processo disciplinar” (STJ, Primeira Seção, MS 15.280-AgRg/DF, Rel. Ministro Napoleão Nunes Maia Filho, DJe de 19/12/2018). O enunciado da Súmula nº 635, visto acima, parece endossar tal orientação.
Entretanto, é importante recordar que o § 2º do art. 142 da Lei nº 8.112/1990, adrede transcrito, consigna que os “prazos de prescrição previstos na lei penal aplicam-se às infrações disciplinares capituladas também como crime”, a exemplo do que definem outros estatutos, como a Lei Orgânica do Ministério Público da União – LC nº 75/1993 –, cujo art. 244, parágrafo único, prevê que a falta funcional prescreverá juntamente com o crime.
Trata-se de aspecto determinante para o deslinde da questão proposta: ao regular a prescrição das punições disciplinares dos servidores civis da União, das autarquias e das fundações públicas federais, o referido preceito legal remete aos prazos fixados na legislação penal nos casos em que a infração administrativa constitua uma conduta também tipificada como crime. A propósito, em passagem doutrinária sobre o tema, Marçal Justen Filho enfatiza: “Quando uma determinada infração configurar-se também como crime, o prazo prescricional da ação não penal será disciplinado pela legislação penal.” (‘Curso de direito administrativo’. 12ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2016, p. 1266)
É bem verdade que o Superior Tribunal de Justiça vinha sinalizado, em decisões anteriores, que a ausência de apuração na esfera criminal (notadamente o oferecimento de denúncia) inviabilizaria a incidência dos prazos de prescrição ditados pela lei penal na esfera administrativa (leia-se: STJ, Primeira Turma, REsp 1.196.629-AgRg/RJ, Rel. Ministro Napoleão Nunes Maia Filho, DJe de 22/05/2013). Todavia, essa posição parece ter sido significativamente alterada, alinhando-se ao entendimento da Suprema Corte no sentido de que, se a conduta perpetrada caracteriza crime, a cominação penal deve parametrizar o cálculo da prescrição da sanção disciplinar administrativa, independentemente de ter sido instaurada, ou não, a persecução criminal (STF, Tribunal Pleno, MS 24.013/DF, Rel. p/ Acórdão Ministro Sepúlveda Pertence, DJ de 01/07/2005).
Prestigia-se, com esse enfoque, a independência das instâncias administrativa e criminal, bem assim a segurança jurídica, ao qual o instituto da prescrição é serviente, conforme leciona Celso Antônio Bandeira de Mello: “A prescrição, instituto concebido em favor da estabilidade e segurança jurídicas (objetivo, este compartilhado pela decadência), é, segundo entendimento que acolhemos, arrimados em lição de Câmara Leal, a perda da ação judicial, vale dizer, do meio de defesa de uma pretensão jurídica, pela exaustão do prazo legalmente previsto para utilizá-la.” (‘Curso de direito administrativo’. 27ª ed. São Paulo: Malheiros, 2010, p. 1054)
A respeito, colacionamos recente julgado da Primeira Seção do Egrégio STJ:
“ADMINISTRATIVO. MANDADO DE SEGURANÇA. PRAZO. PRESCRIÇÃO. LEI PENAL. APLICAÇÃO ÀS INFRAÇÕES DISCIPLINARES TAMBÉM CAPITULADAS COMO CRIME. ART. 142, § 2º, DA LEI N. 8.112/1990. EXISTÊNCIA DE APURAÇÃO CRIMINAL. DESNECESSIDADE. AUTONOMIA E INDEPENDÊNCIA DAS INSTÂNCIAS ADMINISTRATIVA E PENAL. PRECEDENTES DO STF. SEDIMENTAÇÃO DO NOVO ENTENDIMENTO DA PRIMEIRA SEÇÃO SOBRE A MATÉRIA. PRESCRIÇÃO AFASTADA NO CASO CONCRETO. WRIT DENEGADO NO PONTO DEBATIDO. 1. Era entendimento dominante desta Corte Superior o de que ‘a aplicação do prazo previsto na lei penal exige a demonstração da existência de apuração criminal da conduta do Servidor. Sobre o tema: MS 13.926/DF, Rel. Min. Og Fernandes, DJe 24/4/2013; MS 15.462/DF, Rel. Min. Humberto Martins, DJe 22/3/2011 e MS 13.356/DF, Rel. Min. Sebastião Reis Júnior, DJe 1º/10/2013’. 2. Referido posicionamento era adotado tanto pela Terceira Seção do STJ - quando tinha competência para o julgamento dessa matéria - quanto pela Primeira Seção, inclusive em precedente por mim relatado (MS 13.926/DF, DJe 24/4/2013). 3. Ocorre que, em precedente recente (EDv nos EREsp 1.656.383-SC, Rel. Min. Gurgel de Faria, j. em 27/6/2018, DJe 5/9/2018), a Primeira Seção superou seu posicionamento anterior sobre o tema, passando a entender que, diante da rigorosa independência das esferas administrativa e criminal, não se pode entender que a existência de apuração criminal é pré-requisito para a utilização do prazo prescricional penal. 4. Não se pode olvidar, a propósito, o entendimento unânime do Plenário do STF no MS 23.242-SP (Rel. Min. Carlos Velloso, j. em 10/4/2002) e no MS 24.013-DF (Rel. Min. Sepúlveda Pertence, j. em 31/3/2005), de que as instâncias administrativa e penal são independentes, sendo irrelevante, para a aplicação do prazo prescricional previsto para o crime, que tenha ou não sido concluído o inquérito policial ou a ação penal a respeito dos fatos ocorridos. 5. Tal posição da Suprema Corte corrobora o entendimento atual da Primeira Seção do STJ sobre a matéria, pois, diante da independência entre as instâncias administrativa e criminal, fica dispensada a demonstração da existência da apuração criminal da conduta do servidor para fins da aplicação do prazo prescricional penal. 6. Ou seja, tanto para o STF quanto para o STJ, para que seja aplicável o art. 142, § 2º da Lei n. 8.112/1990, não é necessário demonstrar a existência da apuração criminal da conduta do servidor. Isso porque o lapso prescricional não pode variar ao talante da existência ou não de apuração criminal, justamente pelo fato de a prescrição estar relacionada à segurança jurídica. Assim, o critério para fixação do prazo prescricional deve ser o mais objetivo possível - justamente o previsto no dispositivo legal referido -, e não oscilar de forma a gerar instabilidade e insegurança jurídica para todo o sistema. 7. A inexistência de notícia nos autos sobre a instauração da apuração criminal quanto aos fatos imputados à impetrante no caso concreto não impede a aplicação do art. 142, § 2º, da Lei n. 8.112/1990. 8. O prazo prescricional pela pena em abstrato prevista para os crimes em tela, tipificados nos arts. 163, 299, 312, § 1º, 317, 359-B e 359-D do Código Penal (cuja pena máxima entre todos é de doze anos), é de 16 (doze) anos, consoante o art. 109, inc. II, do Código Penal. 9. Por essa razão, fica claro que o prazo prescricional para a instauração do processo administrativo disciplinar não se consumou, uma vez que o PAD foi instaurado em 7/8/2008, sendo finalizado o prazo de 140 dias para sua conclusão em 26/12/2008, e a exoneração da impetrante do cargo em comissão foi publicada em 2 de janeiro de 2014. 10. Mandado de segurança denegado no ponto debatido, com o afastamento da prejudicial de prescrição, devendo os autos retornarem ao Relator para apreciação dos demais pontos de mérito.” (STJ, Primeira Seção, MS 20.857/DF, Rel. p/ Acórdão Ministro Og Fernandes, DJe de 12/06/2019)
Assim, tendo em vista que a conduta da servidora pública federal configura, em tese, o crime de corrupção passiva, previsto no art. 317 do Código Penal, cuja pena máxima abstratamente cominada é de 12 (doze) anos, o prazo prescricional a ser considerado é de 16 (dezesseis) anos, na senda do que estabelece o art. 109, inciso II, do mesmo Código.
Com efeito, não restando consumado o prazo prescricional delineado no Código Penal (art. 109, inciso II), presente a data de conhecimento do ilícito pela autoridade competente para a abertura do processo administrativo em 1º/04/2014), inviável cogitar de prescrição da ação disciplinar.
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