Teoria das instruções do avestruz
Nosso plano de Questões Discursivas traz, a cada semana, 4 (quatro) novas questões de caráter dissertativo, sempre inéditas e exclusivas, para serem respondidas pelos nossos alunos e, na sequência, corrigidas e avaliadas pelos nossos professores, com a seleção das melhores respostas.
Em recente rodada, uma das questões veio assim formulada:
(EMAGIS) O que é a teoria das instruções do avestruz (ou teoria da cegueira deliberada)?
Confira, abaixo, uma síntese dos comentários preparados pelos nossos professores:
O questionamento de Direito Penal da Rodada 14.2019 refere-se à teoria das instruções do avestruz. O objetivo do questionamento é levar ao conhecimento do aluno Emagis essa teoria que tem sido aplicada cada vez mais aos crimes de lavagem de capitais.
Pois bem.
A teoria da cegueira deliberada (wifffull blindness doctrine), das instruções do avestruz (the ostrich instruction) ou do ato de ignorância consciente (conscious avoidance doctrine) tem origem na jurisprudência norte-americana e está no âmbito dos crimes de lavagem de capitais. A citada teoria faz parte do direito brasileiro desde a reforma promovida pela Lei 12.683/2012, que retirou da redação do § 2º, I, do art. 1º, a expressão “que sabe” de modo a poder assumir o risco do dolo eventual. Vamos à análise da alteração:
“Lei 9.613/98. Art. 1º Ocultar ou dissimular a natureza, origem, localização, disposição, movimentação ou propriedade de bens, direitos ou valores provenientes, direta ou indiretamente, de crime: (...) § 2º Incorre, ainda, na mesma pena quem: I - utiliza, na atividade econômica ou financeira, bens, direitos ou valores que sabe serem provenientes de qualquer dos crimes antecedentes referidos neste artigo; (...)”
“Lei 12.683/12. Art. 1º Ocultar ou dissimular a natureza, origem, localização, disposição, movimentação ou propriedade de bens, direitos ou valores provenientes, direta ou indiretamente, de infração penal: (...) § 2º Incorre, ainda, na mesma pena quem: I - utiliza, na atividade econômica ou financeira, bens, direitos ou valores provenientes de infração penal; (...)”
Essa teoria visa tornar típica a conduta do agente que aufere vantagens do ilícito praticado e, mesmo assim, de forma deliberada, cria mecanismos que o impedem de se aprofundar no conhecimento das circunstâncias objetivas acerca dos fatos. Assim, ao evitar a consciência quanto à origem ilícita dos bens ou valores, assume os riscos de produzir o resultado, com isso responde pelo delito de lavagem de capitais a título de dolo eventual. Conota a conduta do avestruz que, diante de uma situação “suspeita”, para não tomar conhecimento da natureza ou extensão do ilícito cometido, coloca a cabeça em um buraco e deixa, propositadamente, de enxergar o que se passou.
Portanto, para configuração da cegueira deliberada em crimes de lavagem de dinheiro, as Cortes norte-americanas têm exigido, em regra: (i) a ciência do agente quanto à elevada probabilidade de que os bens, direitos ou valores envolvidos provenham de crime; (ii) o atuar de forma indiferente do agente a esse conhecimento; e (iii) a escolha deliberada do agente em permanecer ignorante a respeito de todos os fatos, quando possível a alternativa.
Segundo ensinamento de Renato Brasileiro,
“(...) restará configurado o delito, a título de dolo eventual, quando comprovado que o autor da lavagem de capitais tenha deliberado pela escolha de permanecer ignorante a resposto de todos os fatos quando tinha essa possibilidade. Em outras palavras, conquanto tivesse condições de aprofundar o seu conhecimento quanto à origem dos bens, direitos ou valores, preferiu permanecer alheio a esse conhecimento, daí porque deve responder pelo crime a título de dolo eventual. Afinal, nos mesmos moldes que a actio libera in causa, positivada no artigo 28, II do CPB, ninguém pode beneficiar-se de uma causa de exclusão da responsabilidade penal provocada por si próprio.”
No Brasil, essa teoria foi aplicada no furto praticado contra o Banco Central , em Fortaleza/CE, em 2005, quando uma quadrilha furtou, através de um túnel, exatos R$ 164.755.150,00 (cento e sessenta e quatro milhões, setecentos e cinquenta e cinco mil, cento e cinquenta de reais). Após o crime, membros da quadrilha teriam se deslocado a uma concessionária e comprado 11 automóveis, totalizando aproximadamente um milhão de reais, pagos em espécie.
O juiz da primeira instância aplicou a teoria em análise tendo em vista que, pelas circunstâncias – alta quantia de dinheiro em espécie para a compra de 11 veículos – os responsáveis pela concessionária teriam ignorado esse fato bastante incomum para não saber a origem do dinheiro (“passaram-se por cego”). Foram então condenados com base no art. 1º, § 2º, I, da lei de lavagem de dinheiro (Lei 9.613/98). Porém, foram absolvidos em segunda instância, sob o fundamento de que a Lei 9.613/98 exige o dolo direto, e não o dolo eventual.
Também tem sido comumente aplicada nos crimes econômicos e contra a Administração Pública, como nos casos da Ação Penal 470/MG e da “Operação Lava Jato” (operação que consistiu no desdobramento de diversos esquemas de corrupção envolvendo a administração pública, políticos e empresas privadas).
No que tange à Ação Penal 470/MG (conhecida como “Caso Mensalão” em que ficou caracterizado pela corrupção política a partir da compra/venda de votos no Congresso), o ministro Celso de Mello admitiu a possibilidade do dolo eventual em crimes de lavagem de capitais com suporte na teoria da cegueira deliberada. Considerou que, por esse critério, “em que o agente fingiria não perceber determinada situação de ilicitude para, a partir daí, alcançar a vantagem prometida”, poder-se-ia caracterizar a conduta de alguns réus da ação penal 470 como delituosas nos termos da Lei de Lavagem de Capitais .
Além dos casos anteriormente apresentados, é possível perceber a aplicação da teoria da cegueira deliberada em delitos de tráfico de entorpecentes, delitos previdenciários, de receptação e, inclusive, no ambiente externo ao Direito Penal, no âmbito da improbidade administrativa, dos crimes eleitorais e do Direito do Trabalho.
Das considerações feitas podemos concluir que a teoria das instruções do avestruz (the ostrich instruction) ou cegueira deliberada (wifffull blindness doctrine) de origem norte-americana, está no âmbito dos crimes de lavagem de capitais e visa tornar típica a conduta do agente que tem consciência sobre a possível ilicitude da procedência de bens, direitos ou valores, mas, mesmo assim, deliberadamente, cria mecanismos que o impedem de aprofundar no conhecimento das circunstâncias objetivas acerca dos fatos. Assim, ao evitar a consciência quanto à origem ilícita dos bens, direitos ou valores, assume os riscos de produzir o resultado, com isso responde pelo delito de lavagem de capitais a título de dolo eventual. Por isso a analogia com o avestruz, que coloca a cabeça em um buraco para não enxergar o que está acontecendo diante de seus olhos. No Brasil, essa teoria foi aplicada no furto praticado contra o Banco Central, ocorrido no ano de 2005, em Fortaleza/CE. Também tem sido comumente aplicada nos crimes econômicos e contra a Administração Pública, como nos casos da Ação Penal 470/MG (“Caso Mensalão”) e da “Operação Lava Jato”.
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