STJ, REsp 1.972.098. Proposta de alteração da jurisprudência. Súmula 545/STJ. Pretendido afastamento da atenuante da confissão, quando não utilizada para fundamentar a sentença condenatória. Descabimento. Ausência de previsão legal.
Situação Fática: Jagunço Mulambo foi preso em flagrante pela prática do crime de roubo majorado pelo emprego de arma de fogo de uso restrito (CP, art. 157, § 2º-B).
Em interrogatório perante a autoridade policial, confessou a prática do delito.
Denunciado pelo Ministério Público, Jagunço, em seu interrogatório judicial, retratou-se e disse que foi compelido pela autoridade policial a confessar um crime que, em realidade, não cometeu.
Controvérsia: Se o magistrado, ao reconhecer a autoria e a materialidade delitivas, não levar em consideração na sentença condenatória o fato de Jagunço ter confessado o delito na esfera extrajudicial, ainda assim é obrigatória a aplicação da atenuante da confissão espontânea (CP, art. 65, III, 'd')?
Decisão: Para o STJ, o réu fará jus à atenuante do art. 65, III, 'd', do CP quando houver admitido a autoria do crime perante a autoridade, independentemente de a confissão ser utilizada pelo juiz como um dos fundamentos da sentença condenatória, e mesmo que seja ela parcial, qualificada, extrajudicial ou retratada.
Fundamentos: O fato de o réu ter “confessado espontaneamente, perante a autoridade, a autoria do crime” atenua a pena (CP, art. 65, III, ‘d’), por ter colaborado com o descobrimento da verdade e com a instrução processual.
De uma maneira geral, a jurisprudência do STJ é bastante benéfica ao acusado, em matéria da atenuante da confissão.
Para o Tribunal da Cidadania, a confissão, mesmo que não espontânea (ou seja, meramente voluntária), parcial, extrajudicial, qualificada ou retratada, enseja a incidência da atenuante do art. 65, III, ‘d’, do CP.
Nesse sentido, dispõe a Súmula 545 do STJ: “Quando a confissão for utilizada para a formação do convencimento do julgador, o réu fará jus à atenuante prevista no art. 65, III, d, do Código Penal.”.
Para alguns, o verbete sumular em testilha significaria, a contrario sensu, que, se o juiz não utilizou a confissão para a formação do seu convencimento, a confissão não haveria de conduzir à atenuação da pena.
O próprio STJ tem precedentes em que parece sugerir isso (v.g., HC 468.639 e AgRg no HC 526.401).
Entrementes, a Quinta Turma do STJ, neste recente e unânime precedente que ora comentamos, rechaçou essa compreensão.
Sublinhou-se que essa aplicação da Súmula 545 do STJ, ainda que encontre amparo em alguns julgados da Corte, não tem qualquer lastro nos precedentes que deram origem ao enunciado.
Estes, em realidade, simplesmente reconheceram ao réu a garantia de que a atenuante incide mesmo nos casos de confissão qualificada, parcial, extrajudicial ou retratada; nenhum deles, contudo, determinou a exclusão da atenuante quando a confissão não foi empregada na motivação da sentença.
Outrossim, pontuou-se que o art. 65, III, ‘d’, do CP não condiciona a incidência da atenuante à menção, pelo magistrado, da confissão do réu como fundamento para a formação do seu convencimento em torno do juízo condenatório.
Viola, portanto, o princípio da legalidade impor essa restrição.
Noutras palavras, há direito subjetivo à atenuação da pena quando o réu confessa (momento constitutivo), e não quando o juiz cita sua confissão na fundamentação da sentença condenatória (momento meramente declaratório).
Asseverou-se, ainda, que a condicionante em testilha também violaria os princípios da isonomia e da individualização da pena, uma vez que permitiria que réus em situações processuais idênticas recebam respostas divergentes do Judiciário, caso a sentença condenatória de um deles mencione a confissão para justificar a condenação e a outra não o faça.
Noutro giro, a Quinta Turma do STJ - enfatizando que, ao contrário da colaboração e da delação premiadas, a atenuante da confissão não se baseia nos efeitos ou facilidades que a admissão dos fatos pelo réu eventualmente traga para a apuração do crime (dimensão prática), mas sim no senso de responsabilidade pessoal do acusado, característica de sua personalidade, na forma do art. 67 do CP (dimensão psíquico-moral), o que, por isso mesmo, coloca a atenuante em tela dentre aquelas preponderantes, segundo entendimento pacífico do STJ -, realçou que a existência de outras provas da culpabilidade do acusado, e mesmo eventual prisão em flagrante, não autorizam o julgador a recusar a atenuação da pena, em especial porque a confissão, enquanto espécie sui generis de prova, corrobora objetivamente as demais.
De resto, o Tribunal da Cidadania lembrou que o sistema jurídico deve proteger a confiança depositada de boa-fé pelo acusado na legislação penal, tutelando sua expectativa legítima e induzida pela própria lei quanto à atenuação da pena.
Quando um réu decide confessar, há um trade-off (termo que designa a circunstância de que quando alguém faz uma opção, abre mão de outra; ou seja, ao confessar, o réu opta por esse caminho, visando a atenuação de sua pena, ao invés de seguir negando o fato) entre a diminuição de suas chances de absolvição e a expectativa de redução da reprimenda.
Por isso, seria contraditória e violadora da boa-fé objetiva a postura do Estado em garantir a atenuação da pena pela confissão, na via legislativa, a fim de estimular que acusados confessem, para depois desconsiderá-la no processo judicial, valendo-se de requisitos não previstos em lei (ou seja, exigir que o juiz tenha expressamente utilizado a confissão para formar o seu convencimento).
Em suma, de acordo com o que concluiu o STJ neste recente e importante julgado (unânime), o réu fará jus à atenuante do art. 65, III, "d", do CP quando houver confessado a autoria do crime perante a autoridade, independentemente de a confissão ser utilizada pelo juiz como um dos fundamentos da sentença condenatória.
Para finalizar, cumpre mencionar que o STF tem julgados que recusam a aplicação dessa atenuante quando qualificada ou retratada (v.g., HC 119671 e RHC 170544).
No entanto, sendo a matéria de natureza infraconstitucional, a palavra final toca ao STJ (CF, art. 105, III), motivo pelo qual entendemos que deve ser prestigiado o posicionamento esgrimido pelo Tribunal da Cidadania.
Lembre-se, a propósito, que não cabe recurso extraordinário para casos de violação indireta à CF (e, para nós, isso seria o máximo que se poderia enxergar na discussão em foco) e, logicamente, não há espaço para fazer chegar a discussão no Supremo por meio de habeas corpus (CF, art. 102, I, ‘i’), já que a decisão do STJ é favorável à defesa.
Abaixo, você pode conferir a explicação desse julgado em vídeo: